A transição energética é uma realidade em todo o mundo, mobilizando recursos, projetos e ações de diversos atores. No Ceará, projetos nessa área estão sendo executados e planejados e, consequentemente, gerando impactos às comunidades tradicionais costeiras do Estado.
O Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA) da Assembleia Legislativa do Ceará acompanha o impacto das propostas de transição energética nas comunidades tradicionais do Ceará.
No último fim de semana de janeiro, o EFTA participou do III Intercâmbio da Articulação Povos de Luta, com o tema “Ancestralidade dos povos tradicionais em defesa dos territórios pesqueiros”, na reserva extrativista do Batoque. O encontro reuniu representantes das comunidades tradicionais costeiras e debateu principalmente os impactos dos projetos de implementação de eólicas no mar e próximo à costa, a presença e defesa dos territórios e dos modos de vida das comunidades envolvidas com a pesca artesanal e coleta de mariscos.
Segundo o coordenador e advogado do EFTA, Miguel Rodrigues, o escritório participou dos três intercâmbios realizados na perspectiva da assessoria jurídica popular, para acompanhar as demandas e conflitos socioambientais que se apresentam na zona costeira do Ceará.
“Nós achamos extremamente importante acompanhar essa pauta, que foi um dos pontos do nosso planejamento de 2023, porque o Brasil está no centro das atenções da transição energética em nível mundial, mas acreditamos que, para haver uma transição energética, tem que ter justiça climática para essas comunidades”, explica o advogado.
Os projetos de energia eólica para o Ceará têm como base a necessária ação contra as mudanças climáticas. No entanto, os debates sobre os impactos que tais iniciativas têm na preservação dos ecossistemas, das comunidades tradicionais e seus modos de vida têm sido deixados de lado, apontando para um cenário de risco e violações de direitos.
O advogado Miguel Rodrigues destaca ainda que não é possível fazer transição energética e dizer que a energia implementada é limpa quando as pessoas das comunidades estão sendo deslocadas de seus territórios, impedidas de realizar suas atividades ancestrais e manter seus modos de vida, além dos impactos no meio ambiente. Tudo isso, explica, vai ser afetado com os parques eólicos no mar e já é impactado pelas eólicas na terra.
“Então, a perspectiva de instalação de eólicas no mar, com projetos em que as eólicas estão a menos de dois quilômetros da costa, vai afetar frontalmente os pescadores artesanais e todas as pessoas que vivem na região litorânea, assim como o turismo, atividades náuticas etc.”, aponta Miguel. “Além das torres dentro do mar, os projetos preveem a instalação de subestações na terra para a transmissão de energia, ou seja, uma cadeia energética que amplia as consequências negativas para as comunidades”, complementa.
Todo esse cenário exige atenção, informação e mobilização para que os direitos das comunidades não sofram mais violações. Dessa forma, o EFTA segue acompanhando as comunidades, projetos e em articulação contínua com demais entidades, defendendo especialmente o respeito à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a obrigatoriedade de consulta prévia, livre e informada das comunidades impactadas.
Soraya Vanini, do Instituto Terramar, reforça a importância da temática do terceiro intercâmbio, assinalando que o evento foi uma grande demonstração de unidade e força e também da compreensão e da importância do fortalecimento dos sujeitos e suas identidades para fazer os enfrentamentos que crescem a cada dia na zona costeira.
Segundo ela, o processo de ocupação da zona costeira e particularmente da sua orla atropela toda a legislação ambiental e politicas públicas. “Diante de tantas ameaças, os povos do mar se dedicam à ancestralidade por entender que só sujeitos fortalecidos em suas identidades, com o resgate de sua espiritualidade e religiosidade, serão capazes de conformar sujeitos, resistentes, resilientes e re-existentes. Capazes de recriar suas existências e seus modos de vidas nesse enfrentamento”, pontua.
Angelaine Alves, da Articulação dos Povos Indígenas (Arpolu) e da Associação dos Moradores de Tatajuba, ressalta que o terceiro intercâmbio foi pensado “para atender duas fortes demandas: primeiro, beber das fontes ancestrais, retornar às raízes, buscar nos troncos velhos a força e vivacidade para animar a luta dos troncos novos e reunir, unir os parentes; segundo, unir forças para continuar com a missão de dizer não às eólicas, principalmente no mar.” Para ela, as eólicas no continente estão afirmando como serão no mar. “Por esse e vários outros motivos, reafirmamos nesse terceiro intercâmbio que é fundamental, necessário e urgente não aceitar eólicas em nossos territórios marinho-pesqueiros” , enfatiza.
EFTA
O Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar é um órgão de promoção à cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará e acompanha o cenário estadual e entidades e movimentos que atuam na defesa dos direitos das comunidades.