Texto da jornalista Carolina Brígido, colunista do UOL, neste primeiro mês após o golpe de estado dado por bolsonaristas em Brasília e frustrado pelo governo de Lula e pelo STF:
Diante dos 1.406 presos pela tentativa de golpe vivida em 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes, o STF (Supremo Tribunal Federal) vai precisar resolver um impasse. Se mantiver todas as questões sob sua guarda, vai precisar organizar uma força-tarefa. Será necessário convocar mais servidores para instruir todos os processos. No cenário atual, o tribunal não tem estrutura para conduzir a investigação de tantos réus.
Uma alternativa seria transferir a maioria dos processos para instâncias inferiores. Permaneceriam no STF apenas questões mais delicadas, que miram autoridades, organizadores e financiadores dos atos. Ainda assim, o Supremo teria que dar conta de dezenas de réus, com potencial para desorganizar o funcionamento da Corte.
O restante dos processos seria distribuído por varas de todo o país. Portanto, os juízes julgariam diferentes situações semelhantes. O risco seria réus pelos mesmos atos tendo tratamento diferenciado: uns poderiam ser condenados; outros, absolvidos.
A principal controvérsia é que, entre os crimes apontados pela PGR (Procuradoria-Geral da República), está o terrorismo. No meio jurídico, há entendimento díspar sobre o enquadramento dos golpistas nesse tipo penal.
A decisão sobre desmembrar ou não os processos está nas mãos do relator das negociações, Alexandre de Moraes. Interlocutores do ministro afirmam que ele ainda não bateu o martelo sobre qual o caminho a seguir.
O histórico recente do STF sobre ações penais é traumático. Em 2012, o tribunal realizou um semestre inteiro das atividades do plenário para julgar o mensalão. Eram 40 réus inicialmente.
Para instruir o processo, foi necessário convocar juízes auxiliares. Outras ações foram escanteadas, porque não havia estrutura suficiente para se falar de outro assunto no plenário. O fluxo de processos aguardando julgamento nos anos seguintes foi uma das consequências da decisão tomada anos antes de não desmembrar o mensalão.
Na época, o relator, ministro Joaquim Barbosa, insistiu para que os réus sem direito ao foro especial fossem flexíveis para instâncias inferiores, mas acabaram vencidos pela maioria dos ministros. O entendimento vencedor foi o de que a participação dos réus no esquema de desvios era muito entrelaçada para ser julgada em instâncias diferentes.
Anos depois, já na Lava Jato, o STF mudou de ideia e decidiu desmembrar o assunto. Os réus foram pulverizados por varas de todo o país. Ainda assim, o Supremo ficou sobrecarregado com os casos remanescentes por um motivo elementar: a Suprema Corte não tem estrutura ou vocação para exercer o papel de uma vara penal.
Se Moraes mantiver no STF todos os réus da tentativa de golpe, vai precisar pensar uma forma de operacionalizar o volume de trabalho que recairá sobre a Corte nos próximos anos. Segundo o Código de Processo Penal, cada réu pode ter até oito testemunhas arroladas pela acusação e oito pela defesa. Portanto, em tese, o tribunal precisaria ouvir até 22.496 depoimentos para instruir todos os processos.
O julgamento dos casos, no entanto, poderia ser mais simples do que foi no mensalão. Existe hoje o plenário virtual, um sistema no qual os ministros apenas postam seus votos por escrito, sem a necessidade de serem realizadas sessões de debates. Logo, o trabalho do plenário não ficaria comprometido.
Ainda assim, levaria anos para o STF encerrar os processos. Mesmo depois do julgamento dos réus, os julgados venceram o direito de apresentar recursos, que demandariam julgamentos no plenário.
Manter todos os processos no Supremo, sem dúvida, vai exigir um trabalho concentrado, especialmente por parte do gabinete de Alexandre de Moraes. A vantagem seria garantir a todos os investigados um tratamento uniforme, com a mesma duração dos processos. Cabe ao tribunal escolher qual o caminho a ser trilhado a partir de agora.