Transformação digital no mercado editorial: uma segunda onda de assinaturas

Das empresas que atuam com vendas, 75% oferecerão serviços por assinatura até 2023. Os dados são da consultoria Gartner e confirmam que assinaturas já são uma realidade na vida dos consumidores. Elas aparecem tanto em streamings como em mensalidades em clubes de vinhos, alimentos e produtos para pets.

Apesar de parecer uma novidade, impulsionada principalmente pela alta demanda das novas gerações por comodidade e tempo, a economia de recorrência existe no Brasil há muitos anos – e o mercado editorial foi pioneiro nesse movimento. 

Livros e revistas por assinatura tiveram o seu auge nos anos 1970 e 1980 no país, com exemplos como a editora Círculo do Livro, que no seu auge chegou em até 800 mil assinantes, e as revistinhas do grupo Maurício de Sousa Produções, responsável pela Turma da Mônica. 

E como o mercado editorial perdeu a soberania com a chegada da internet?

Segundo Rodrigo Dantas, fundador da Vindi, o grande desafio foi com a digitalização global, que gerou muito conteúdo pirata na web, e também a falta de preparo das editoras e livrarias para entender a dinâmica que estava chegando naquela época. “No começo da década passada, as grandes livrarias não conseguiam entender o que era um audiobook, um Kindle… isso atrapalhou um pouco o mercado editorial. Faltou um entendimento do que estava prestes a acontecer no setor”, contou Dantas no ciclo de Webinários “O Futuro Já Passou?”, produzido pela Aner. 

O fundador da Vindi também lembrou que, no começo dos anos 2000, algumas revistas digitais eram vendidas por um valor acima do que era cobrado pela mesma edição na sua forma física, o que não fazia sentido. “Essas práticas foram mudando e mostrando que é possível o mercado editorial se reinventar”, pontuou.

O case do The New York Times

Um dos primeiros veículos a virar a chave dessa realidade foi o The New York Times. Após a desvalorização de suas ações na bolsa de valores, que entre 2003 e 2008 caíram 89,77%, era notável a necessidade de uma mudança drástica no modelo de negócios do veículo. Com a queda da receita publicitária, ficou claro que não bastava contar apenas com anunciantes, mas também com a fidelização dos assinantes digitais, uma vez que o número de assinantes do impresso vinha diminuindo drasticamente.

Foi assim que, em 2011, o Times passou a apostar suas fichas no paywall, interface que impede acesso dos internautas às notícias após atingirem a cota de matérias gratuitas pré-determinadas pela empresa. Essa estratégia também é conhecida como freemium, uma versão limitada do serviço para usuários não-assinantes.

Esse foi o primeiro passo para aumentar a conversão de leitores em assinantes. Mas a jornada não parou por aí: em 2014, o jornal lançou o seu primeiro relatório de inovação, consolidando a guinada digital da marca, que passou a usar análise de dados e User Experience (UX) para entender quem seria o seu assinante ideal, o que levava essa pessoa a enxergar valor na assinatura digital e como tornar sua experiência a melhor possível. 

Com esse estudo de dados mais consolidado na cultura da empresa, o jornal passou a transformar também a sua forma de vender assinaturas, oferecendo conteúdo premium para os seus assinantes.

Em fevereiro de 2021, o Times já ultrapassava os 7,5 milhões de assinantes, 90% deles de produtos digitais. Considerando apenas o segmento on-line, a receita do NYT com publicidade e assinatura saltou 41%, com o faturamento em assinaturas digitais superando o de assinantes do impresso pela primeira vez em 2020. Em agosto, o jornal anunciou que fará uma segmentação premium das suas newsletters, que há 20 anos eram produzidas e entregues gratuitamente.

“Queremos ter certeza de que estamos proporcionando exclusividade e valor para a experiência do nosso assinante”, afirmou a chefe de produto do jornal, Alex Hardiman. “Muito do nosso trabalho é garantir ao assinante uma experiência diferente com o conteúdo premium, diferenciando cada vez mais da experiência com o conteúdo gratuito”.

O NYT, que produz atualmente 50 newsletters lidas semanalmente por 15 milhões de pessoas, agora vai segmentar 11 delas apenas para assinantes, juntamente com sete novas newsletters exclusivas.

“O grande diferencial das assinaturas premium em comparação com as assinaturas que já conhecíamos das décadas passadas, é que a assinatura premium oferece recursos transmidiáticos, conteúdo segmentado e especiais em formatos exclusivos para assinantes, como podcasts e newsletters”, afirma Thiago Lins, diretor de crescimento da Robox, plataforma brasileira de e-commerce por assinaturas com foco no mercado editorial. 

Cenário do Brasil

Clientes da Robox, as revistas Elle, Exame e Carta Capital são exemplos nacionais que estão investindo cada vez mais em transformar a experiência de seus assinantes, tornando-a cada vez melhor para conquistar novos públicos e fidelizar os atuais. “Quando pensamos em transformação digital no mercado editorial, precisamos expandir o olhar para além das soluções tecnológicas. É claro que a jornada do assinante, necessariamente, passará pela experiência do site, aplicativo mobile e a área do assinante.

Porém, a primeira “transformação” deve acontecer no core business das editoras – é o próprio modelo de negócios que deve ser transformado. E é aí que reside o problema muitas vezes: mudar a mentalidade dos gestores é mais complexo do que mudar um layout e linhas de código”, pontuou Lins. 

Meses antes da pandemia da Covid-19 ser decretada, as assinaturas premium já eram apontadas como a solução para publicações e veículos de comunicação manterem suas receitas de forma recorrente. Não por acaso, uma pesquisa do Digiday Research, realizada com 153 publishers, revelou que 46% dos entrevistados definiu como estratégia de crescimento aumentar o seu número de assinantes digitais. 

Veículos que consolidaram suas assinaturas premium com produções segmentadas, transmidiáticas e especializadas tiveram um aumento na circulação de seus conteúdos, a exemplo da Folha de São Paulo, que conquistou 30.610 assinantes no último ano Instituto Verificador de Comunicação (IVC).

Ainda de acordo com o IVC, a média da circulação digital da Folha de S.Paulo, O Globo, O Estado de São Paulo e Valor Econômico aumentou em relação a 2019. A Folha passou de 218.557 exemplares nos três primeiros meses de 2019 para 250.324 exemplares no início de 2020. Na segunda posição, O Globo viu sua circulação digital subir de 202.697 exemplares para uma média de 236.245 exemplares digitais.

O jornal O Estado de São Paulo também cresceu, passando de uma circulação digital de 138.206, em 2019, para 148.419, em 2020. O Valor Econômico, jornal especializado em economia e negócios, também registrou crescimento no período anual: foi de 61.111 para 81.103 exemplares.

Nichos, segmentações e comunidades no mercado editorial

Outro benefício de fidelizar uma comunidade de assinantes que realmente enxerga valor no seu conteúdo digital é a facilidade de encontrar o anunciante certo. Conhecendo bem seu público e estilo de vida, fica mais fácil para o veículo definir quais anunciantes se encaixam com a proposta editorial da publicação, oferecendo parcerias para campanhas mais estratégicas. Assim, as chances de segmentar anúncios que dialoguem com o seu nicho é ainda maior.

“Marcas vão querer aproveitar a sinergia na relação entre veículos e assinantes. Vão querer se apoiar na entrega, no serviço e na experiência que está sendo oferecida aos assinantes. Da mesma forma, o que as pessoas querem é encontrar sua “tribo” para caminhar junto. A ideia de comunidade não se dissocia mais daquilo que vivemos hoje, com tanta oferta de conteúdo e serviço”, afirmou Maisa Doris, cofundador da TOT3, na série de Webinários “O Futuro Já Passou?”, produzido pela Aner. 

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