Artigo do jornalista Roberto Maciel:
A cena é icônica dos anos 1980: o bandido embarca num jatinho, se volta para a janela e dá uma solene “banana” para o Brasil. E decola rumo à impunidade.
Esse é o final da novela “Vale Tudo”, do escritor Gilberto Braga (1945-2021), uma das mais comentadas produções da teledramaturgia nacional. Com a voz marcante de Gal Costa (1945-2022) na abertura, entoando canção de letra indignada de Cazuza (1958-1990), a trama mostrava golpes cometidos por personagens da mais variada falta de caráter: os vigaristas Maria de Fátima (Glória Pires) e César (Carlos Alberto Riccelli), a autoritária Odete Roitmann (Beatro Segall) e o picareta engravatado Marco Aurélio (Reginaldo Faria).
Do outro lado, os bonzinhos Raquel Aciolli (Regina Duarte), “Poliana” (Pedro Paulo Rangel) e Rubinho (Antônio Fagundes) e a alcoólatra Heleninha Roitmann (Renata Sorrah) sofriam horrores com as maldades dos vilões.
Até aí, era a sempre explorada batalha do bem contra o mal. Foi quando o País inteiro parou para especular sobre quem matou Odete Roitmann.
A novela expunha a corrupção descarada e, como o título já alertava, o “vale-tudo” sem regras. A canção-tema exigia: “Brasil/ Mostra a tua cara/ Quero ver quem paga/ Pra gente ficar assim/ Brasil/ Qual é o teu negócio?/ O nome do teu sócio?/ Confia em mim”.
Foi, passada a também histórica “O Bem Amado” (1973), de Dias Gomes (1922-1999), quando o público brasileiro se deparou de forma tão crua, mesmo ficcional, um encontro com o realista leque de crimes costumeiramente atribuídos a ricos.
Saltemos no tempo, pois.
Em 2023, testemunhamos em plena fuga para os Estados Unidos o ex-presidente Jair Bolsonaro, que escapou do País dois dias antes de o mandato terminar e agora reúne junto de si a evangélica esposa Michelle, o maquiador dela e um séquito de serviçais pagos com dinheiro do contribuinte.

Não se sabe se Jair deu, como o desprezível personagem Marco Aurélio, do já citado Reginaldo Faria, uma debochada banana para o Brasil. Mas sabe-se que tentou – e como tentou! – embolsar joias de valor estimado em R$ 16,5 milhões, estranhamente presenteadas à então primeira-dama pelo governo da Arábia Saudita.
Sabe-se, também, que se esforça – como Marco Aurélio se esforçou – para sair-se impune do quadro turbulento em que está metido.
Bolsonaro não tem o charme que Reginaldo Farias deu ao cínico personagem que interpretou.
Também não tem o humor que o comediante Welder Rodrigues garantiu ao caricatural “Sabá Bodó” – um ex-prefeito ladrão que, ao fugir em “Mar do Sertão”, por estes dias, igualmente deu banana para a cidadezinha de Canta Pedra.
Bolsonaro é só Bolsonaro. Sem encanto, sem graça e sem o brilho que as novelas emprestam até a bandidos. E sem joias.
Mas é real.