Artigo do jornalista Roberto Maciel, editor do portal InvestNE:
Deparamo-nos, leitores que acompanhamos os sites de notícias diariamente, com matéria sob o seguinte título: “Idosa leva chute nas costas de motorista de aplicativo ao entrar em prédio em Copacabana”. Estava no G1, portal do mesmo grupo empresarial que abriga a Rede Globo. Na imagem acima, o criminoso e a vítima jogada no chão (reprodução TV), mas a agressão pode ser vista abaixo:
Fiquei assustado, não apenas com a estupidez e a covardia de um prestador de serviços ao público – um motorista que, em tese, deveria ter suas condições psiquiátricas apuradas pela empresa que o mantém como parceiro -, mas com a tibieza ou a falta de profissionalismo do G1.
Em momento nenhum a matéria revela o nome do criminoso. Esconde-o, na verdade, posto que há apenas duas possibilidades para o caso, mesmo que a Polícia não o tenha divulgado:
- O repórter e o editor são meros repassadores de informações oficiais, limitando-se a publicar o que é entregue pelas repartições-fontes;
- O departamento jurídico da empresa, com medo de algum processo na Justiça, recomenda, orienta, determina que não se revelem nomes de criminosos dessa natureza.
Vasculhando em outros sites, descobri na CNN que o agressor se chama Luiz Felipe Soares e que tem 26 anos de idade. Sugiro ao G1 que faça o mesmo, embora deva registrar que outros, como Metrópoles, SBT News, O Estado de Minas, Terra e Hugo Gloss, seguiram pelo mesmo caminho de não informar a identidade do psicopata.
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Reproduzo a seguir, mantendo as características originais, o texto covarde do G1:
Uma idosa foi covardemente agredida por um motorista de aplicativo quando entrava no condomínio onde mora, em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Imagens das câmeras de segurança mostram Maria de Fátima Silva Pires, de 68 anos, levando um chute nas costas logo depois de passar pelo portão (veja acima). O caso aconteceu na quarta-feira (29).
Segundo a polícia, o motorista já foi identificado e será intimado a prestar esclarecimentos. O g1 tenta contato com ele.
Motorista banido do app
A Uber lamentou o caso e disse ser “inaceitável o uso de violência”. Informou ainda que o motorista foi banido da plataforma (veja a nota completa no fim da reportagem).
A idosa contou que estava voltando de uma consulta médica para avaliar um quadro de pneumonia. Na saída do consultório, chamou um carro de aplicativo. Ela disse que foi agredida porque estava comendo um biscoito dentro do veículo.
“Eu vim comendo um biscoitinho. Quando parou no prédio, ele disse assim para mim: ‘Agora, você vai limpar o banco’. Nisso, eu fiquei impactada e não respondi. Eu saí e o que que aconteceu: ele correu atrás de mim, me deu um chute nas costas e me jogou no chão. Eu já sou uma senhora e estou com meu lado direito comprometido, com muita dor”, disse Maria de Fátima.
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Vítima reconhece motorista
Segundo o delegado Angelo Lages, da 12ª DP (Copacabana), a vítima já reconheceu o motorista. “Não temos dúvidas sobre a identificação”, disse.
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A polícia aguarda o resultado do exame no IML para saber a extensão das lesões sofridas por Maria de Fátima. O homem pode responder por lesão corporal grave ou gravíssima.
Nota da Uber
“A Uber lamenta o caso e considera inaceitável o uso de violência. A conta do motorista parceiro foi banida da plataforma assim que a empresa tomou conhecimento do episódio. A Uber esclarece que todas as viagens são cobertas por um seguro e está à disposição das autoridades competentes para colaborar, nos termos da lei.
A empresa ressalta que conta com uma equipe especializada que está sempre à disposição para colaborar com as autoridades e um portal exclusivo para solicitação de dados no caso de investigações ou processos de persecução criminal, que está disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana para processar as demandas, tudo isso respeitando as leis de privacidade exigidas no País, em especial o Marco Civil da Internet.”
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A convite do então presidente da empresa jornalística O Povo, Demócrito Dummar, fui ombudsman daquele jornal de Fortaleza no ano de 2003. Procurei exercer o mandato com atenção, respeito e justiça e, reconheço, o cumpri com certos orgulho e vaidade.
Naquela época, mais de 20 anos atrás, não havia nada como o que vi hoje. A começar pelo fato de as principais empresas de comunicação do País terem manuais de Redação e guias de relacionamento ético com os leitores e as fontes. Isso expunha, de certa forma, a busca da responsabilidade que marcas distintas empreendiam no trato com a notícia.
Eram os jornalistas que processavam as informações, que procuravam apresentar textos mais claros, que disputavam os fatos e se empenhavam para publicar furos.
Não ficarei aqui naquele rame-rame de que antigamente era melhor. Nada disso. Posso dizer, porém, que era diferente.
Hoje, quem manda, são as bancas de advogados – em geral formadas por profissionais inaptos para o jornalismo.