A crônica da Tuty: “A insuportável leveza”

Texto da jornalista e escritora Tuty Osório:

Nasci para isso. Sou psicóloga de teimosa!

É a frase veredicto de que a celebração vai bem, muito bem. Dita com alegria pela amiga quando se
empolga para cantar e dançar. Em volta dela, celebramos também, sob sua condução ritmada e bem humorada. Que alegria abençoada. Que talento performático perdeu a música, para a psicologia.

Com os anos fui percebendo que não conheço pessoas da psicologia, tristes. Se existem são tão poucos,
e discretos, que não se percebem. Daí que sou grata também a essa teimosia que carrega para o CUIDAR,
profissional, uma pá de gente boa.

Sou das ávidas que lê tudo sobre o assunto. E das pretensiosas que dispensa interpretação alheia. Eu mesma absorvo, reflito, analiso, retenho, reforço repertório. Pesquiso, busco, sou abordada porque estou sempre disponível a esse conteúdo. Faltou-me, quem sabe, um pouco mais de teimosia que me puxasse para o ofício de psicóloga.

Sinceramente até me vejo com vocação e algum talento. O psicólogo de verdade, segundo eu, não se forma
em universidades. Ele já nasce assim, sensível, ouvinte generoso e empático. Se assim não é, não é psicólogo,
nem teimando.

Minha amiga é uma gloriosa professora, forma profissionais e nas suas 30 horas de atividade diária, tempo integralésimo, como diria ela, bem sabe que não estou distante da real. Ao contrário da mulher que, segundo Beauvoir, assim se torna, a psicóloga já vem pronta. Só precisa aprender os códigos e aprimorar as experiências.

Vivemos um presente de extrema visibilidade para os cuidados com a saúde mental. Visibilidade que não corresponde a valorização nem ao encontro de caminhos. Muitas modas, ondas, mistificações, cenografias e figurinos turvam a limpidez da tão urgente sublimação do sofrimento. O que as faz cada vez mais necessárias, as teimosas psicólogas que empreendem dedicação e doação no compromisso com os resultados.

Sem essa de que não existe cura. Pode não existir, porém, tal qual o filho que já nasce salvo pela mãe seja qual for o traço do seu destino, a terapia faz bem. Mesmo que no papel de ilusionista. Quem disse que a magia não é material? Quem prova que o fantástico não é realista?

O importante é teimar e seguir. Ter coragem para dar as mãos às histórias desconhecidas que te são depositadas numa cesta decorada de flores e panos aveludados. Ouvir e pensar junto sem influir, embora o movimento seja para salvar. Em algo que depende mais do outro que de você, ter o heroísmo de se importar.

A alta pode não vir nunca. Ou rápido. CUIDAR significa conseguir que quem depositou confiança na condução do psicólogo encontre o inconsciente na trilha do consciente, assumido e tornado íntimo. Ser o suporte na superação do medo de não mais carregar a doença.

Sabem, alguns, que é mais angustiante livrar-se da moléstia que acariciá-la com o prazer de arranhar a coceira que nos visita, de quando em quando.

*** *** ***

Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.

São de Tuty Osório os livros QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).

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