A crônica da Tuty: “As mãos que trago”

Texto da jornalista Tuty Osório:

Talvez tenha sido Adélia Prado e o merecido Prêmio Camões que acabou de receber por mais um belíssimo poema de elegia à vida. Ou o cotidiano junto a minha mãe, tendo a sorte de acompanhar os dias de uma pessoa de mais de 80 anos, com muita lucidez e saúde física. Adélia, 89. Minha mãe 84. Posso afirmar com alegria que há muitas como elas.

Nunca liguei para idade. Ou acreditei sempre que não ligava. A fronteira entre o que somos e o que acreditamos ser é tênue e sutil. Passei pelos 30, pelos 40, 50, sempre achando natural que o tempo passasse e com ele os anos. Ambos convencionados, não menos reais por isso. Vieram as rugas, os cabelos brancos, a flacidez da pele. Outras coisitas mais. Nunca pensei em plástica. Por falta de dinheiro, paciência ou puro desinteresse, reduzi o combate a pintar o cabelo, ocasionalmente.

Pouquíssimo vaidosa, o que nem sempre me é favorável, frequentemente apareço com o cabelo manchado por falta de reparo, roupas despojadas em ambiente um tanto formal, zero maquiagem no rosto. Sucedem-se os avanços em tons e texturas de bases. Eu passo sem saber de nada.

Às vezes peço ajuda para amenizar. Recebo os conselhos, faço compras. Logo recaio na distraída forma de quase nem me ver ao espelho com atenção. Não defendo esse jeito de ser. Estou consciente, com humildade, que é o meu. Com respeito, admiração, por quem faz diferente. A um passo de ano dos 60 e vi-me a pensar no assunto da idade. Fala-se muito nisso, também. Confesso que é difícil ficar indiferente. Sou da elaboração, elocubração, viagem cerebral e emocional, enfim. O que é mesmo envelhecer? Além da aparente decadência do corpo, da ameaça dos remédios em profusão, do medo, muitas vezes reprimido, de morrer?

Mais uma vez olho para o jardim suspenso que minha mãe criou na varanda, para o sol intenso de Fortaleza enfeitada, para as palavras de Adélia Prado que, como eu, acha o Rio de Janeiro uma beleza, e me surpreendo perdida numa onda tão boa, que nem sei.

Serão sempre as minhas mãos que segurarão o regalo de hoje. Desde quando era um brinquedo de borracha de apertar e morder. Até o cartão com palavras amorosas de minha afilhada.

*** *** ***

Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.

São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).

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