A crônica da Tuty: “Iluminai os terreiros”

Crônica da jornalista e escritora Tuty Osório:

Brasil. Quando para aqui vim em 1975, criança ainda, meu pai abriu sobre a mesa o atlas na casa onde nos hospedávamos no litoral do Douro, em Portugal, e mostrou aos filhos para onde iríamos dali a um mês, talvez mais.

Olhando assim, naquele livro gigante, não me pareceu tão imenso como depois vim a constatar que é. Para ser sincera, geograficamente, nunca houve distâncias brasileiras para mim. No meu trabalho de pesquisadora vejo como os povos são próximos, do sul ao norte. Por prepotência ou por destino traçado sem régua, o Brasil é um só. Não é ingenuidade, nem pieguice, alienação ou manipulação. É fato observado. Os anseios, planos, sonhos e angústias de um cidadão de Cuiabá são semelhantes aos de alguém de Natal, São Paulo, Petrópolis. O jeito de falar, expor, explicar, é diverso e traz os códigos, as linguagens, a cultura de cada chão. Essa unidade é fascinante e no meu sentir, fortalece.

Um país tão imenso, tão diferente e próximo de si para si. Respeitadas as tradições, demandas, necessidades, não haveria ameaças em sermos assim. Atravesso os céus desta terra, quase de ponta a ponta, frequentemente. Por todo o lado sinto-me bem, em casa, mesmo descobrindo novidades a cada vez. Aprendi há pouco que em Mato Grosso tem Maria Isabel de peixe, prima irmão da do Piauí que leva carne do sol, gêmea do charque do arroz de carreteiro do Rio Grande do Sul.

O peixe é de rio no Centro Oeste e no Norte. De mar no Ceará e em Sergipe. De Açude, Cacimbão, Lagoa.
Ribeirinhos são todos os que habitam e trabalham na beira da grande água. Faz-se o peixe frito em óleos variados ou cozido com sal e cheiro verde, chamado na água grande. Falo da comida podia falar dos sons da matraca que marca o Boi e o Maracatu. Chega pertinho da batida do samba, mistura-se com as cordas e os sopros no baião e no forró. Podia citar a sinuosidade dos mangues, cerrados e caatingas se espalhando para abraçar as matas atlânticas.

Floresta Amazônica é a destemida Iara, a grande mãe a proteger e a assustar de tão esplendorosa. Burro, jumento, mula, foram todos condutores da tropa do século XVIII, levando víveres, armas, salteadores pelos arremedos de estradas.

Aboio, berrante, berro que atravessa o tempo e a vontade. Estando aqui, ali, acolá. Estou sempre onde sei
onde fica a tenda que me serve um café com pão ou tapioca.

Se quiser cara de contemporâneo também tem. Na Paulista ou na Barra do Garças, em desvarios que
conversam na eterna roda.

*** *** ***

Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.

São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).

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SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA
QUANDO FEVEREIRO CHEGOU
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