Texto da jornalista Tuty Osório:
O papo, mais pra briga que pra conversa, já tinha passado por Fanon, Achile, Lélia Gonzales, Clóvis Moura. Os amigos estavam exaltados, com razão. Racismo é uma coisa horrível. Esses autores citados, dos dois cantos, África e Brasil, acodem a demonstração de erudição de quem está discutindo e está do mesmo lado.
O bom de tudo é manter a indignação, diante dos absurdos que continuam acontecendo, em pleno século XXI.
Dois garotos foram abordados pela polícia carioca, numa calçada de Ipanema. Advertidos que não andassem por aí porque a abordagem se repetirá. Por causa de suas características físicas.
Um acontecimento banal, que se repete muitas vezes por dia, nas calçadas do Brasil inteiro, pasmem, virou incidente diplomático. Mais. Constrangimento. Com direito a nota de desculpas do Itamaraty, promessa de pedido de satisfação ao governo do Rio.
Ocorre que os adolescentes abordados são filhos do embaixador de Gana e de Burkina Faso. A jornalista âncora da TV Uol pergunta quem pede desculpas aos filhos dos pobres, expostos a violência semelhante, diariamente. Os amigos enveredaram pela disputa verbal, talvez, pelo desespero de não saber o que fazer diante de tanta sei lá o quê… Como diz o filósofo, sequestraram o Alfabeto e as palavras já não conseguem nomear as coisas. A lista de inomináveis, cresce, portanto.
Por menos, fico paralisada sem conseguir separar a briga dos amigos. O que dizer? Não sei, nem, o que pensar. Fico ouvindo a inflamação deles, em ringue de abraços, mais do que de agressões. Somos muitos, sem ação, sem voz que não as das conversas de bar, encontros de aniversário, grupos de whatsapp.
Sinto-me ridícula porque covarde. Já não é a primeira vez. Está na hora da gente se mexer. Não sei qual é o modo. Tenho certeza que passou da hora da atitude. Não dá mais para engolir projeto de lei horrendo, prática de repressão alienada e cruel, frases ditas em situações aparentemente inofensivas, contudo, expressivas de nossa decadência moral.
Disse Rita Lee: era para estarmos nos Jetsons. Estamos voltando aos Flintstones. Sinceramente…
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Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.
São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).
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