Texto de Letícia Gouveia, analista de Audiências da Agência Pública
Em uma reportagem publicada na semana passada, destrinchamos denúncias de exclusão, misoginia e “clubinho de homens” no mercado editorial. Entre as pessoas ouvidas, todas sinalizaram que o relatado por Vanessa Barbara no episódio “CPF na Nota”, no podcast da Rádio Novelo, é uma situação comum em editoras. Não há um complô sistemático para prejudicar mulheres, mas a teia de conexões que favorece os homens (o chamado machismo estrutural) cumpre este papel, relegando-as a posições inferiores e em que ainda há medo de denunciar situações de abuso por medo de afetar a própria carreira.
Foi o que aconteceu com as mulheres que denunciaram os abusos cometidos pelo pesquisador Boaventura de Sousa Santos. Quase dois anos depois de divulgarem a primeira carta anônima com denúncias de assédio sexual e moral contra o professor e sociólogo português, as pesquisadoras do coletivo internacional de vítimas do acadêmico estão sob julgamento. Quatro das 14 mulheres que fazem parte do grupo foram processadas pelo próprio Boaventura em uma ação de defesa da honra chamada de pedido de tutela de personalidade, que corre no Juízo Local Cível de Coimbra, em Portugal.
E estas são apenas as nossas matérias que saíram em janeiro deste ano sobre assédio contra mulheres.
No fim do ano passado, denunciamos que o professor de biologia da Universidade de Brasília (UnB) Jaime Martins de Santana, 62 anos, recebeu em 2023 apenas 15 dias de suspensão do cargo após, segundo denúncia e apuração interna, ter beijado à força duas colegas de trabalho. A reitoria da instituição considerou que houve apenas uma “falta de urbanidade” e não acolheu a sugestão de demiti-lo. Após nossa denúncia, acadêmicas da UnB protestaram contra a punição branda ao professor.
E não preciso nem te lembrar do Caso K, né? O maior exemplo de um homem poderoso que morreu impune depois do silêncio da imprensa, da justiça e da polícia.
Como escreveu Natalia Viana na sua coluna desta semana, tudo isso tem um alvo certo: as mulheres. “Nestes tempos, a misoginia aglutina, agrega, mobiliza o voto masculino e das mulheres misóginas, e talvez mais importante do que isso é um sentimento real, figadal, dos autocratas que cada vez mais tomam o poder”, afirma Natalia.
Por que, questiona Natalia, podemos nos perguntar, os autocratas deste primeiro quarto do século 21 odeiam tanto as mulheres? Ou melhor, que medo é esse que a “raiva organizada” lhes causa, a ponto de construírem seus movimentos culturais, suas estéticas e seus cálculos políticos de as sufocarem?
Não temos uma resposta imediata para tais perguntas, mas, como escreveu Natalia, “já não é hora de nos escondermos, mas de radicalizarmos, de ganharmos poder, de exigirmos poder, de transformarmos o poder.”
Nosso jeito de lutar contra o assédio é expô-lo de maneira responsável, cuidadosa e criteriosa, sempre respeitando a vítima.
Precisamos do seu apoio para seguir fazendo essas denúncias.