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Artigo de Ricardo Alcântara: “Ardil e rancor (o apoio de Roberto Cláudio a André Fernandes)”

Artigo do escritor e publicitário Ricardo Alcântara:

Tenho Roberto Cláudio foto acima) na conta de um gestor de qualidade ímpar. Mas ao ler a nota desnutrida e acanhada em que declara apoio ao candidato André Fernandes no segundo turno, desculpe a franqueza: nem com muita boa vontade poderia acreditar na sinceridade daquilo. Não mentiu bem. Deu na vista.
O que se vê ali, no não-dito que mais alto fala, é ardil e rancor. De cara, um chocante desprezo pela população da cidade que com tanto brilho ele governou. E tudo isso apenas para degustar o cálice da vingança? Não seria o bastante.
Há cálculo também em tudo isso. Sempre há. Afinal, Fortaleza (também ela) nas mãos dos aliados de Camilo Santana reduziria ainda mais  o espaço de sobrevivência de quem debandou para a oposição em pé de guerra.
Até aí, normal. Mas daí a entregar a chave de Roma a um Nero, sem se importar com o fato de que, com esse apoio, o ex-prefeito relativiza o indefensável? Decepção define.
Ou seria necessário falarmos aqui de milícias e discurso de ódio, vacina e pandemia e – o que deveria causar a ele maior vergonha – uma articulada tentativa de golpe de estado? Não. Roberto Cláudio conhece a dimensão dos fatos.
Arrisca com isso, inclusive, entregar a um desqualificado os bons resultados do seu próprio trabalho e mais alguns avanços, embora não muitos, de seu sucessor e aliado.
E o povo? “O povo que se exploda!” – diria Justo Veríssimo, genial criação de Chico Anysio que personificava o que a política tem de pior e o gesto de Roberto Cláudio logo me fez lembrar.
Seu apoio ao candidato de Bolsonaro naturaliza uma aberração, dá feição de normalidade a algo que a sociedade deve, para sua boa sorte, ser convencida do terror latente que representa.
Mais grave se torna ainda quando vindo de quem, como ele, conhece o tamanho do desafio que é governar uma cidade com alguns milhões de habitantes na desordem violenta e desigual da América latina.
Ele sabe muito bem quais poderiam ser as consequências, principalmente para os mais vulneráveis, de uma gestão conduzida por um tipo com o qual ora se abraça. Sabe o bastante para, observado o interesse comum, não ter sequer cogitado!
Queira o destino que seu gesto seja em vão e, um dia, ele possa revê-lo para recuperar o respeito de que desfrutou até ontem e, pelo visto, ignorava.
Não posso desejar a ele boa sorte com suas novas companhias, mas que não esqueça: elas nos definem.

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