Artigo do jornalista Roberto Maciel, editor do portal InvestNE:
As festas juninas são no Nordeste do Brasil mais do que um evento musical e de dança. Mais do que um festejo que junta milhões de pessoas para celebrar sabe-se lá o quê. São muito mais do que uma atividade religiosa. Mais do que um rega-bofe mundano. Na verdade, são tudo isso junto e mais alguma coisa.
São João, sempre tão gentil, caridoso com o nosso povo, compreende e certamente sorri com as pingas a mais que possamos entornar neste dia de hoje, que dedicamos a ele e à minha querida Tia Janete – Joana, a bem da verdade e por razões óbvias.
As festas juninas, se o senhor e a senhora leitor e leitora ainda não ligaram os pontos, são de fato uma saudação à fartura que as chuvas do semestre primeiro, o dito “inverno”, levam para as mesas das pessoas: milho, arroz, batata, cana, leite e carne aparecem, de um tudo, para espantar o fantasma da fome. São uma celebração da colheita, se equilibrando entre o paganismo e a fé.
Na tradição nordestina, não há nada mais abençoado do que água e comida – são o que nos prende à terra, o que não nos obriga a enfrentar légua tirana para buscar sobrevivência.
Assim, água, comida, terra e festa nos trazem mais um elemento vital à dignidade: o trabalho. Nordestino sem trabalho nem gente é. Se recebe esmola, ou morre de vergonha ou fica viciado.
Apelo, então, para o poeta maior Zé Dantas, transformado em acordes na sanfona do mestre, mestríssimo, Luiz Gonzaga, em “Vozes da Seca”:
Seu doutô os nordestino têm muita gratidão
Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão
Mas doutô uma esmola a um homem qui é são
Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão
É por isso que pidimo proteção a vosmicê
Home pur nóis escuído para as rédias do pudê
Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chovê
Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cumê
Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barrage
Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage
Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage
Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage
Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão
Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação!
Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão
Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mão
Mercê tem na vossa mão!
*** *** ***
E é ao santo Patativa de Assaré, homem que se fez poeta com nome de ave, que também apelo com “Triste Partida” – do mesmo jeito tornada música pelo genial Gonzaga – para lembrar nosso tormento e nossa esperança. E para saudar, ainda que de modo transverso, a fartura que nos chega como consequência de chuvas generosas:
Setembro passou
Outubro e Novembro
Já tamo em Dezembro
Meu Deus, que é de nós?
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre
Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz
Ai, ai, ai, ai
*** *** ***
Sua bênção, São João.