Artigo da jornalista Marina Amaral (foto), diretora-executiva da Agência Pública:
Experimente comparar o mapa dos maiores emissores de carbono do mundo com aquele que aparece no relatório da ONU sobre a fome, divulgado durante a reunião do G20 no Rio de Janeiro.
Nos dois casos, o cenário é de alta, mas os protagonistas são praticamente opostos, com o Norte Global liderando as emissões que provocam as mudanças no clima enquanto a fome vigora na parte de baixo do mapa.
A receita para enfrentar a emergência climática também tem seguido caminhos diferentes. Resumidamente: tecnologia verde para o Norte e preservação da natureza para os países do Sul, onde está a maior parte dos recursos naturais, majoritariamente explorados por corporações com origem nos países desenvolvidos.
O consumo desses recursos é seis vezes maior nos países de alta renda média do que naqueles de baixa renda, de acordo com o Panorama de Recursos Naturais divulgado na Assembleia de Meio Ambiente da ONU, em março deste ano.
Claro que também os países em desenvolvimento têm que se adequar às exigências frente ao colapso do clima. Até porque esse impacto é maior sobre os mais pobres (e que menos lançam gases estufa) e representa risco de morte de culturas ancestrais e modos de vida em harmonia com a natureza em biomas fundamentais para o clima, como a Amazônia.
“ Perfurar poços de petróleo na margem equatorial ou na foz do Amazonas, como deseja parte do governo Lula, incluindo o próprio presidente, não é solução para o desenvolvimento. Reduzir o desmatamento na Amazônia, como felizmente vem acontecendo, também não pode ser a nossa única contribuição para a saúde do planeta e para o bem-estar da população.
Mas não há como fechar a equação global da crise climática sem levar em conta que o crescimento econômico é uma necessidade premente onde a fome afeta 733 milhões de pessoas – um em cada cinco habitantes da África, para ficar no exemplo mais gritante – e sobe para mais de 2 bilhões de pessoas quando se fala em insegurança alimentar.
O desenvolvimento sustentável nesses países – até agora um “mito do capitalismo”, como definiu Ailton Krenak – não é possível sem financiamento internacional e transferência de tecnologia – promessas nunca cumpridas dos países ricos em conferências do clima.
Não vamos mudar o modelo de desenvolvimento no Sul Global sem uma política de distribuição de renda através de mecanismos como a taxação do super-ricos e a redução dos juros das dívidas dos países mais pobres, defendidas pelo presidente Lula e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante o G20 no Rio de Janeiro.
“O que vemos hoje é uma absurda exportação líquida de recursos dos países mais pobres para os países mais ricos”, disse Lula. “Não se pode financiar o bem-estar coletivo se a parte expressiva do orçamento é consumida com o serviço da dívida.”
Quanto à tributação dos ricos, Haddad fez a conta: se os bilionários pagassem 2% sobre suas fortunas haveria US$ 250 bilhões de recursos, “ou seja, aproximadamente cinco vezes o que os dez maiores bancos multilaterais dedicaram ao combate à fome e à pobreza em 2022”.
Um dos fatores que dificultam o debate global sobre a fome e a desigualdade, como apontou Lula, é a sub-representação de países em desenvolvimento nos organismos multilaterais, tema que se tornou prioridade durante a presidência temporária brasileira do G20.
“Sem uma governança mais efetiva e justa, na qual o Sul Global esteja adequadamente representado, problemas como a fome e a pobreza serão recorrentes”, afirmou o presidente, que, na mesma ocasião, lançou a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e comemorou a redução de 85% na insegurança alimentar severa no Brasil em 2023 em relação a 2022.
O exemplo da liderança brasileira no G20 é ainda mais importante neste ano, quando a COP29 discutirá o financiamento climático, ou seja, quem paga a conta da crise climática e qual será o valor que irá substituir aquele prometido pelos países desenvolvidos em 2009: US$ 100 bilhões anuais de 2020 a 2025, o que só foi cumprido em 2022, de acordo com a OCDE.
Esperamos que o Brasil, que será o anfitrião da COP30 em 2025, em Belém, leve também para essas conferências a prioridade do combate à fome e à desigualdade para um acordo justo sobre o clima, que olhe também para o consumo.
Afinal, se é fato que vivemos todos em um mesmo planeta – e em condições mais adversas –, é cada vez mais insustentável o desequilíbrio entre nossos mundos.