Procurador do Ministério Público do Trabalho, com passagens pela advocacia e auditoria fiscal, Ilan Fonseca precisava sentir na pele o que é trabalhar como Uber para aprofundar o conhecimento sobre a comunicação entre plataforma e motoristas e o quanto estes têm realmente poder de decisão. Para isso, tirou licença de quatro meses e foi trabalhar dirigindo pelas ruas de Salvador (BA) e agora conta a experiência no livro “Dirigindo Uber – A Subordinação Jurídica na Atividade de um Motorista de Aplicativo”.
“Não tive, em nenhuma ocasião, a sensação de ser meu próprio chefe”, resume Fonseca, que passou mais de 350 horas logado na plataforma entre dezembro de 2021 e março de 2022.
Ainda que realmente exista uma flexibilidade no que diz respeito aos horários e pausas, com a possibilidade, por exemplo, de ir levar um familiar ao médico ou o filho à escola no meio do “expediente”, Fonseca diz que a “subordinação do motorista” é muito maior do que se imagina. “Além de todas as obrigações que um motorista de aplicativo deve seguir, os deveres dos trabalhadores da plataforma vêm também expressos em mensagens individualizadas diárias enviadas através do aplicativo, explicitando-se que o descumprimento dessas regras implica desativação e desligamento, diz sobre o esquema de “contrato em pedaços” que rege a relação entre trabalhadores e plataforma.
Ao final da pesquisa, o procurador diz defender que exista uma regulamentação da relação de trabalho da categoria, uma vez que a Uber atualmente já define regras que nem sempre são claras para os prestadores de serviço. “É importante ouvir esses trabalhadores. Hoje, eles não querem [ser enquadrados na] CLT, porque eles imaginam que a CLT vai estrangular essa dinâmica de trabalho”, explica. “O que não estão percebendo é que pela leitura simples dos termos de uso da plataforma, isso pode ser alterado a qualquer momento”, completa.
Projeto de Lei será votado em junho
Aprovado no último mês de março como resultado de acordo no Grupo de Trabalho Tripartite formado por representantes dos trabalhadores, das empresas e do Governo Federal, que desde maio de 2023 discute o tema sob coordenação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Projeto de Lei Complementar que regulamenta o trabalho por aplicativo de transportes deve ser votado em junho pela Câmara.
O documento está estruturado em quatro eixos: segurança e saúde, remuneração, previdência e transparência. Entre as novas regras estão o pagamento de 32,09 reais por hora trabalhada e remuneração de, pelo menos, um salário mínimo; além de contribuição de 7,5% ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A jornada de trabalho em uma mesma plataforma também não poderá ser superior a 12 horas diárias, bastando o trabalhador realizar 8 horas por dia para ter direito ao piso nacional.