Texto de Júlia Motta, no site Revista Fórum:
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se reuniu ao menos seis vezes com um suposto informante da Receita Federal sobre o caso das “rachadinhas” de seu filho, o senador, Flávio Bolsonaro (PL). A informação foi revelada pela Folha de S.Paulo através de relatos de pessoas próximas à investigação.
De acordo com os áudios divulgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após quebra de sigilo na última semana, Bolsonaro realizou uma reunião, em 2020, com o objetivo de discutir estratégias para usar a máquina federal e anular a investigação contra Flávio.
No encontro, Bolsonaro afirmou que iria falar com os chefes da Receita Federal e Serpro para buscar provas de que Flávio teve seus dados acessados de forma ilegal. Participaram da reunião o seu chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, o diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem (PL), e duas advogadas de Flávio, Luciana Pires e Juliana Bierrenbach.
No início do encontro, Bolsonaro diz que recebia as informações de “um coronel do Exército”, e menciona ironicamente que deveria “ter trocado pelo serviço secreto russo”. Quando questionado pelo nome do informante, Bolsonaro diz que não se lembra. Em seguida, Augusto Heleno mostra que sabe quem é a pessoa, mas também não diz seu nome, mas se refere a ele como “Magela”, o que é repetido por Bolsonaro.
Segundo fontes próximas ao caso, Magela é o codinome do coronel reformado do Exército Carlos Alberto Pereira Leonel Marsiglia.
A agenda pública de Bolsonaro mostra que ele se reuniu com o coronel ao menos seis vezes nos palácios do Planalto e da Alvorada. A maioria dos encontros foi a sós. O primeiro aconteceu em 28 de março e o último em 23 de maio.
A única reunião em que houve mais participantes foi em 22 de maio, com a presença dos ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e da Economia, Paulo Guedes.
Marsiglia estava na reserva do Exército desde 2013 e não ocupava cargo público, mas seu irmão era auditor da Receita Federal do Rio de Janeiro e estava envolvido em um litígio com o órgão, cujo caso era usado pela defesa de Flávio para alegar acesso ilegal aos seus dados.
Ao todo, cinco auditores fiscais da Receita Federal estavam sob acusação de enriquecimento ilícito, mas afirmavam sofrer perseguição interna com base em acessos ilegais. Em 2020, a defesa de Flávio usou esses casos para acionar órgãos federais como a Presidência, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), a Abin e a Procuradoria-Geral da República (PGR).
A defesa de Flávio afirmava que órgãos da Receita Federal no Rio acessaram ilegalmente os dados fiscais do senador para produzir um relatório entregue ao Coaf, o que resultou na investigação em 2018.
Receita conclui pela improcedência das alegações de Flávio
Apesar das informações obtidas com a máquina pública para anular o caso, a Receita concluiu pela improcedência das alegações de Flávio. O caso das “rachadinhas” foi revertido em 2021, mas por outras razões. Naquele ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou todas as decisões tomadas pela primeira instância da Justiça do Rio com base na alegação de que o juiz Flávio Itabaiana não tinha jurisdição para investigar o filho de Bolsonaro.
O uso da estrutura do governo federal a favor de Flávio integra a investigação da Polícia Federal sobre a “Abin paralela” durante o governo Bolsonaro, que espionou diversos adversários políticos, jornalistas e magistrados.