The Intercept: “Bolsonaro na Papuda? Depende dessa portaria do Temer” (Ou “O golpe da Portaria 59”)

Texto do jornalista Paulo Montoryn (foto), do site The Intercept BR:

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi indiciado, na tarde de quinta-feira, 4, pela Polícia Federal no caso das joias recebidas da Arábia Saudita, um escândalo que veio à tona há mais de um ano, em março de 2023. Desde o início, o ex-capitão e seus aliados têm usado a Portaria 59 de 2018, publicada pela Secretaria-Geral da Presidência, já na transição Michel Temer-Bolsonaro, como principal argumento de defesa.

Em tese, o texto definiria joia como um item de caráter “personalíssimo” e que, portanto, poderia ser subtraído do patrimônio público. Com a divulgação do indiciamento pela PF nesta semana, não foi diferente. Em uma busca simples nas redes sociais, é possível ver aos montes o argumento de que joias são bens “personalíssimos” ou menções com ares de sabedoria à tal portaria. “Aproveite para ler a Portaria 59 de 2018”, disse um bolsonarista na publicação mais recente do termo no X.

Mas a alegação não se sustenta juridicamente, como revelamos em uma reportagem do Intercept Brasil em agosto de 2023. Na matéria, o autor da portaria, o ex-ministro Ronaldo Fonseca, um antigo aliado do ex-capitão, desmentiu essa interpretação. “Bolsonaro jamais poderia ter ficado com as joias”, ele me disse. “Quando colocamos semijoias, joias e bijuterias, não se pensava em coisas de alto valor”.

Não adiantou. Mesmo após Fonseca vir a público desmentindo a defesa de Bolsonaro, a persistência da narrativa enganosa promovida pelo ex-presidente segue à pleno vapor. A persistência do argumento é um reflexo da habilidade do bolsonarismo em manipular narrativas para enganar seus apoiadores — e criar uma realidade paralela em que, mesmo acusado de crimes pela Polícia Federal, Bolsonaro teria razão.

A saga das joias sauditas é mais um exemplo de como Jair Bolsonaro tem imenso sucesso em manipular fatos e leis para se defender. Mesmo após ser desmentido por fontes oficiais e reportagens, seus apoiadores continuam a propagar argumentos falsos sem constrangimento. No final das contas, o indiciamento desta semana é, sim, um passo importante para responsabilizar o ex-presidente, mas também serve como um alerta sobre o poder destrutivo da desinformação.

Portaria nunca esteve acima do TCU

Desde 1991, quando a primeira lei que rege os acervos presidenciais foi promulgada pelo governo federal, na gestão de Fernando Collor, uma série de decretos foram publicados para aprimorar as regras para o tratamento de presentes recebidos por autoridades, justamente para prevenir casos de corrupção.

Não tem sido um exercício fácil. O texto inicial da legislação sobre os acervos permitia que presentes não entregues em eventos oficiais fossem incorporados ao acervo privado dos presidentes. Contudo, em 2016, o Tribunal de Contas da União, o TCU, rejeitou essa interpretação, alegando que isso violaria princípios constitucionais, como a moralidade.

O TCU determinou, então, que todos os presentes, independentemente do contexto, devem ser catalogados pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência, que deve determinar se o item pode ser encaminhado ao acervo privado do presidente ou se deve permanecer como patrimônio da União. Na primeira hipótese, caso a autoridade deseje vender o item, a Comissão de Memória dos Presidentes da República tem preferência de compra – o que não ocorreu no caso de Bolsonaro.

A Corte de Contas decidiu ainda que, mesmo quando categorizados como personalíssimos, itens de alto valor devem ser considerados bens do estado. A portaria assinada por Fonseca foi publicada dois anos depois da decisão do TCU. Mesmo assim, o responsável pela assinatura, Ronaldo Fonseca, admite: “A portaria não está acima juridicamente da decisão do TCU”.

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