Preso a uma visão de que o saneamento básico se resume a obras de infraestrutura, o Brasil negligencia a relação desse serviço com a saúde pública. Documento lançado pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para Infância) em fevereiro chama a atenção para esse recorte, observando dados e oferecendo soluções.
O Guia de Estratégias de Água, Saneamento e Higiene para Redução de Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado é uma realização da Unicef em parceria técnica com o Ondas (Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento) e o DESA/UFMG (Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais) e parceria estratégica com a biofarmacêutica Takeda.
Entre as informações encontradas no documento, estão dados do Atlas do Saneamento, publicado em 2021 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que mostram que crianças entre 1 e 4 anos de idade correspondem a maior parte das quase 5 milhões de internações no Sistema Único de Saúde (SUS) por DRSAI (doenças relacionadas a um saneamento ambiental inadequado) entre 2008 e 2019.
“A promoção de ambientes saudáveis para uma infância digna também está pautada no acesso seguro aos serviços de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais urbanas”, afirmou Rodrigo Resende, oficial de Água, Saneamento e Higiene do UNICEF no Brasil, no site do órgão da ONU.
O guia frisa a importância do planejamento e da participação social como caminhos para se atacar esses déficits históricos. Segundo a publicação, são essenciais os planos de saneamento básico a nível municipal como “instrumentos que reúnem planejamentos de curto, médio e longo prazos para as ações correspondentes” e que “devem ser construídos a partir de ampla discussão com a sociedade”.
“O Plano Municipal de Saneamento Básico, comumente denominado PMSB, constitui o meio pelo qual o município pode se organizar para universalizar o acesso e melhorar a qualidade dos serviços prestados à população. Neste sentido, é um instrumento de redução das desigualdades sociais e de proteção dos recursos naturais e ambientais”, afirma a engenheira Berenice de Sousa Cordeiro, em citação incluída no documento da Unicef.
No entanto, em levantamento feito pelo Panorama dos Planos Municipais de Saneamento Básico no Brasil em 3.903 municípios brasileiros, correspondente a 70% do total, apenas 30% destes possuíam plano. Outros 38% estavam na fase de elaboração.
Na Amazônia Legal, de 772 municípios, 436 possuem Plano Municipal de Saneamento Básico e 287 não possuem. Os dados foram levantados a partir de declarações dos entes federativos ao SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento). No entanto, apenas 269 planos completos e 10 parciais foram localizados. Para outros 493 municípios, os documentos não foram encontrados.
Conhecendo a realidade local
O guia da Unicef ressalta que uma das vantagens de vincular a titularidade dos serviços de saneamento aos municípios é a sua proximidade com a população atendida e suas reais necessidades. Com isso, é possível atender o território da maneira mais adequada. “O município deve ser protagonista na elaboração do PMSB, pois é o maior conhecedor de sua própria realidade!”, diz a Unicef.
Fechando o documento, a Unicef traz um quadro com as cinco categorias das DRSAI, as principais vias de transmissão e as principais estratégias de controle e prevenção das respectivas doenças.
Em uma das categorias, as doenças transmitidas por inseto vetor, caso da dengue e da chikungunya, o guia aponta entre diversas estratégias a promoção da drenagem e o manejo adequado das águas de chuva, o manejo adequado de resíduos sólidos e melhorias da habitação.
Para doenças de transmissão feco-oral, como giardíase, hepatite A e febre tifóide, são mencionadas pela Unicef a garantia de acesso da população a serviços adequados de abastecimento de água potável e de coleta de esgoto sanitário; disposição adequada dos esgotos com coleta e tratamento e manejo adequado do lixo doméstico.