A Crônica da Tuty: “A esperança convidou a luta”

Por Tuty Osório, jornalista e escritora:

A alegria tem que ser senhora, sim senhor! Mas a van do LOUCURAS DE AMOR* antes das 7 da manhã de sábado, sinceramente! Acordo cedo, já estava no preparo do segundo café puro e fui assustada com aquela voz de discípulo do Sílvio Santos, o dia mal tinha rompido. Gosto de música, de conversa solta, dança de todo o modelo, mas fico pensando que tem gente querendo dormir, pelo menos, até à hora regulamentada. Perto da minha casa há bares com show, é até bom, movimenta a rua, aumenta a segurança. Fica péssimo quando erram a mão na altura do som e quando atravessam a noite, indiferentes a quem quer e, até, precisa de um pouco de recolhimento, algo próximo a silêncio, talvez.

Enfim. Não é má vontade, nem sou ranzinza. É uma velha mania de prestar atenção nas necessidades e nos sentimentos dos outros. Uma amiga chama de OUTRAR-SE. Adoro essa forma de chamar. Não sei se inventou ou a encontrou em algum livro, por aí. Seja como for, para mim, é a cara dela.

Também é um pouco a minha e sigo com esse lema, na tentativa de que prevaleça. Até a alegria, a roda de dança, é mais alegre se acontecer em sintonia com mais um, mais outros, mais quantos chegarem para se achegar. Cresci numa casa de livros e música. Meus pais nunca foram intelectuais, acadêmicos ou artistas. Sempre foram amantes do belo, amigos do pensamento, pessoas de seu tempo, seja que tempo for. Meu pai morreu em 2021, aos 85 anos, mexendo em computador, brigando como a máquina é lenta, vaticinando que jamais chegará à sofisticação misteriosa do nosso cérebro. Sem nunca ter estudado, especificamente, informática e tecnologia, compreendia toda a fundamentação do digital por ter um cérebro ativo de criatividade. No caso dele, muito estimulado pela leitura e pela conversa.

Minha mãe tem 85 anos e usa aplicativo de Banco, de Uber, de compras, de pesquisa. Acompanha tudo o que acontece no mundo, sabe a última do presidente dos Estados Unidos, está ligada na taxa Selic, na Ana Maria Gonçalves Imortal, nos variados trabalhos que as netas realizam e a incluem compartilhando fotos e explicações. Não houve resistência à novas plataformas. Quando chegaram para tornar seu cotidiano melhor, aderiu com naturalidade. Não tem Instagram ativo porque não gosta de exposição. Porém, está consciente de tudo o que existe, sem abrir mão de si. Na sua mesinha, ao lado da cama, há um relógio despertador de ponteiros e uma pequena pilha de livros que a embalam antes de dormir.

Daí que considero completamente bizarro que se obrigue professores e alunos a tudo fazerem em plataforma digital. É verdade. Sei de fonte confiável que há lugares do nosso País onde os estudantes fazem as tarefas por via digital, são obrigados a ler através de telas. Um garoto frequentador de biblioteca pública está sendo mal avaliado pelo aplicativo da escola porque lê, na tela controlada por um Sistema, rápido demais! Como tem o hábito de leitura, óbvio que lê rápido. Só para o tal Sistema, ele não é alguém. É uma ponta de ligação, monitorado por algoritmos. Sinceramente, não dá!

Precisamos de mais investimento em capacitação contínua dos professores, em oportunidades criativas para os alunos, momentos ao ar livre, leitura em profusão para nutrir as ideias. E a resposta é gastar milhões e milhões em parafernálias metidas a avançadas? Qual foi a parte de que isso é desumanização, mais ainda, que quem decide isto não entendeu? Falei dos meus pais para deixar claro que não sou contra a tecnologia. Posso falar das minhas filhas. A mais velha é cineasta, 29 anos, opera com equipamentos de ponta e acabou de lançar uma AUDIO SÉRIE, uma Animação AUDIO VISUAL e um livro impresso que visibiliza a história de lideranças culturais femininas das periferias urbanas e rurais. Chama-se AS GUARDIÃS.

A mais nova, 20 anos, é designer autodidata, aprendeu com aplicativos e alguns mestres generosos. Nativa digital porque nascida em 2004, estuda artes visuais no IFCE e lê livros físicos e pelo Kindle. Lê muito, vê muitos filmes, no cinema e em casa, tem canhão de projeção na parede, canta igual a diva do jazz, localiza a manutenção do purificador de água e os horários dos ônibus que usa diariamente por um clique no celular.

Ou seja, parece-me que o ponto de partida pode ser respeito, espaço, oportunidade de conhecimento, ludicidade. Não adianta proibir o uso de celular nas escolas se na sala de aula são as os tablets que mandam. Impostos pela própria escola. Tiranizando professores e alunos à obrigatoriedade dos controles. Isso não é educação. No máximo, é adestramento. Aqui é uma crônica, não um Plano de Metas. Para tal, temos especialistas que estão sendo ignorados em seu clamor contra essa maluquice pública e privada. Vamos incluir digitalmente, sim, porém, a favor. Jamais contra, como vem sendo. Para nossa sorte, esses teimosos educadores da esperança afirmam que não vão desistir.

*LOUCURAS DE AMOR é nome de uma animação de aniversários, muito em voga nos anos 1990, quando uma van estacionava na porta do aniversariante, de surpresa, com música alta, luzes coloridas e um locutor em voz impostada, homenageando o celebrado. Fizemos para meu pai e ele achou que era um assalto disfarçado, demorou a entrar no clima. Parece que está voltando. Não é ruim. Mais riso que juízo, quando se trata de festejar.

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