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Vigarice bolsonarista tenta agora aplicar o “golpe da tortura”; ação fajuta é desmontada por fatos

Do jornalista Paulo Motoryn, na newsletter Cartas Marcadas:

Enquanto a anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro parece cada vez mais distante, um perdão aos “peixes pequenos” do 8 de Janeiro ganhou força nas últimas semanas. Não apenas entre bolsonaristas ou políticos que sempre relativizaram os ataques à democracia, mas também em vozes com histórico de combater a Ditadura Militar.

Na semana passada, o premiado jornalista Elio Gaspari escreveu que “votar a anistia é o melhor remédio”. Já Fernando Gabeira, em entrevista ao canal MyNews, disse que as penas estavam “um pouco acima” do razoável e defendeu mais “generosidade dos vencedores”.

O argumento poderia até fazer sentido. Mas tem um problema: não existem “peixes pequenos” no 8 de Janeiro. Quem foi a Brasília quase dois meses depois da eleição e mais de uma semana após a posse do presidente Lula não estava desavisado. Todos que restavam ali sabiam do teor golpista do movimento.

É bom lembrar que, àquela altura, os acampamentos nos quartéis já haviam se revelado incubadoras de atos terroristas, como o protesto que culminou na invasão da sede da Polícia Federal e a tentativa de explodir uma bomba no aeroporto de Brasília. Não havia inocência possível.

E mais: os números mostram que o STF agiu com contenção, e não com exagero. Ao todo, 1.190 pessoas foram responsabilizadas. Destas, apenas 279 foram condenadas por crimes graves, como golpe de estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito — ou seja, crimes em que há previsão de cumprimento inicial da pena em regime fechado.

E mesmo entre os mais graves, mais de 100 seguem foragidos, muitos no exterior. Hoje, portanto, menos de 150 pessoas estão presas.

Na edição desta semana de Cartas Marcadas, mostramos como campanhas de desinformação tentam inverter essa realidade. O caso mais recente é o de Jucilene Costa do Nascimento, que bolsonaristas tentam transformar em uma “presa política” torturada.

Mas os documentos contam outra história: ela foi uma militante golpista ativa, envolvida diretamente no ataque, e não sofreu tortura alguma. O fato é que, ao contrário do que sugerem Gaspari, Gabeira e o bolsonarismo, não há nem exagero, nem arbitrariedade — mas sim uma resposta institucional ainda aquém da gravidade do crime cometido.

Campanha falsa ganhou tração

O debate sobre suposto exagero nas condenações do 8 de Janeiro se alimenta de narrativas falsas. Uma das mais recentes foi construída em torno de Jucilene Costa do Nascimento, 62 anos, condenada a 14 anos de prisão por participação direta nos ataques golpistas em Brasília.

Em 7 de agosto, durante sessão da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, o advogado de Jucilene, Hélio Ortiz Júnior, ergueu um cartaz com o rosto de sua cliente e a palavra “TORTURA” em letras garrafais.

Os advogados Luiz Felipe Cunha e Hélio Júnior com o deputado federal Coronel Meira (no centro da foto), do PL de Pernambuco

 

Outros advogados de réus do 8 de Janeiro amplificaram a acusação, e em pouco tempo ela se espalhou em redes bolsonaristas.

A versão de que Jucilene estaria sendo submetida a tortura foi reproduzida nas redes sociais por diversos políticos do PL, como o deputado federal capixaba Messias Donato, a vereadora de Florianópolis Manu Vieira e o deputado estadual catarinense Alex Brasil. A falsa narrativa dizia que ela havia sido agredida por ser bolsonarista.

Questionei Donato por e-mail e ele atribuiu a informação a uma nota oficial dos advogados de Jucilene. O deputado argumentou que seu mandato “sempre se pautou pelo zelo com as informações divulgadas”, e enviou a íntegra do comunicado. O texto é assinado por Cunha, Júnior e outras três advogadas e diz, sem apresentar prova, que a cliente “sofre tortura e corre grave risco de morte em presídio de Florianópolis”.

A advogada Taniéli Telles, que também defende réus do 8 de Janeiro, e é signatária do comunicado, chegou a maquiar o próprio rosto simulando um hematoma para denunciar a suposta tortura a qual Jucilene estaria sendo submetida. Outros militantes bolsonaristas adotaram o mesmo expediente: pintaram o rosto para que pudessem vocalizar o sofrimento da bolsonarista encarcerada.

 

Mas os documentos do caso mostram uma história completamente diferente. Em ofício obtido por Cartas Marcadas, a direção do Presídio Feminino Regional de Florianópolis relatou, em detalhes, que Jucilene foi agredida em 4 de agosto por outra interna após um desentendimento sem nenhum caráter político. O fato não foi sequer contestado pela defesa ou pela própria agredida, que dispensou, inclusive, até o registro de um boletim de ocorrência.

Jucilene foi agredida por ter delatado outra detenta, não por ser bolsonarista, indicam registros

 

De acordo com os autos, outra detenta desferiu um soco no rosto de Jucilene ao acusá-la de ter “entregado” conversas que ela teve com presas de outras celas às agentes penitenciárias.

A intervenção foi imediata: a agressora foi transferida de cela, enquanto Jucilene recebeu atendimento médico, psicológico, exame de corpo de delito e acompanhamento de saúde.

O laudo confirmou um hematoma, sem risco de vida ou sequelas. E mais: em declaração de próprio punho, a própria Jucilene descreveu o episódio como “agressivo, mas pontual” e, minimizando a tese de tortura, disse que se sentia segura após o episódio devido à ação firme da chefe de segurança do presídio.

Tortura? Em memorando, Jucilene descreveu o episódio como pontual e disse se sentir segura.

Ainda assim, a desinformação atravessou o bolsonarismo digital e chegou à mídia convencional.

O portal Metrópoles publicou, em 14 de agosto, uma reportagem intitulada “Condenada nos atos de 8/1 leva surra na cadeia ‘por ser bolsonarista’”, reproduzindo no título a versão fabricada nas redes.

Nem os relatórios do presídio, nem as manifestações da defesa, nem os registros do MPF sustentam essa hipótese.

A farsa esconde quem foi Jucilene no 8 de Janeiro. Um laudo da Polícia Federal mostrou vídeos feitos por ela no celular no próprio dia do ataque.

Nas gravações, afirma: “a luta não foi em vão”, “STF ocupado”, “nós tomamos os Três Poderes”, “quem achou que estávamos brincando mais de 70 dias, se enganou”.

Denúncia da PGR revela falas de Jucilene em vídeos gravados por ela durante tentativa de golpe

Pior: as declarações gravadas não eram simples bravatas. O DNA de Jucilene foi encontrado pela Polícia Federal em materiais depredados dentro do Palácio do Planalto – onde ela diz ter ido apenas se proteger –, e ela admitiu ter passado mais de 45 dias acampada em frente ao QG do Exército de Brasília.

Longe de ser uma manifestante ingênua, a Justiça comprovou que Jucilene foi uma militante ativa na tentativa de golpe.

Entrei em contato com a equipe de defesa de Jucilene para pedir esclarecimentos. Não houve resposta. O espaço seguirá aberto em versão deste texto a ser publicada no site do Intercept Brasil.

Mas, antes de me despedir, quero deixar claro: qualquer agressão dentro do sistema prisional é condenável e merece apuração rigorosa, independentemente de quem seja a vítima.

Isso, porém, não pode ser álibi com narrativas falsas que tentam transformar uma militante golpista em vítima de perseguição política.

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