Por Tuty Osório, jornalista e escritora:
Morei em Paris por pouco mais de um ano, nos anos 90, do XX. Fui numa missão pessoal, afetiva. Forte e drástica, a França afetou demais a minha compreensão do mundo, marcou um tempo em que comecei a aprender a viver. Andava pelas ruas sem rumo, conheci os teatros, os jardins, os pontos turísticos e os outros – os do cotidiano da gente dali, das marcas da mentalidade contemporânea inscrita em monumentos que não são de pedra. Porém, firmes, estruturados em diferente conteúdo. Adorei esse tempo. Porque era livre. Feliz a meu modo. Dispunha de espaço interior para o conhecimento, a arte, a perambulação, a leitura. Li muitas obras no original, embora nunca tivesse sido fluente. O Segundo Sexo, O Mandarim, A Convidada, entre elas.
Anos mais tarde, na tropical Fortaleza, reencontrei Simone de Beauvoir num novo texto, desta vez traduzido, revelando para mim uma França que eu suspeitava , contudo, nunca havia visto descrita com tamanha contundência e coragem. É o segundo volume das Memórias dessa existencialista apaixonante, transformadora, que te chega diferente a cada revisita e te torna diversa a cada flerte, sempre prolongado em divagações. Componente da Trilogia integrada por “Memórias de uma menina bem comportada” e “A Força da Idade”, esse longo ensaio conta da crueldade da colonização da Argélia, das traições do Estado ao humanismo, das digressões do Grupo de Sartre por Cafés, Livrarias e Casas de Espetáculos.
Beauvoir escreve que sentia vergonha de ser francesa. Pelas atrocidades cometidas, por ver-se sem ação diante da opressão desfilada sem pudor, desafiante da impossibilidade de fazer mais que escrever e gritar a ouvidos nenhuns. A minha Paris ruía, embora um tempo possa ser preservado em doces sequelas. Não deixei de gostar de muitos aspectos da França, só que Simone me acordou para a necessidade de enfrentar as agruras da desalienação. Numa derradeira sessão de memórias, desta vez a despedida do amor, nomeada “A Cerimônia do Adeus”, a mulher que nos esculpiu em traços complexos, maculadores do romantismo, conta dos últimos dias de Sartre. Um detalhado roteiro sobre a partida do homem que a colocou diante do espelho, entregou-lhe as armas da luta e, ironicamente, aprisionou-a para sempre.
Assim se deu comigo nos meus encontros com a sua literatura. Nos meus embates de concordância com a sua filosofia. Aprendi os volteios do arqueiro, nas quedas inevitáveis do empunhar do arco.
A FORÇA DAS COISAS, por Simone de Beauvoir, tradução de Rita Braga, Editora Nova Fronteira, 2006, original em francês de 1963 (Esta é a minha edição , porém, há mais recentes nas livrarias físicas e digitais).
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Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa, e escritora.
São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).
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SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA
QUANDO FEVEREIRO CHEGOU
MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA
Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais.


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