A crônica da Tuty: “Amar se aprende amando”

A crônica da Tuty: “Amar se aprende amando”

Crônica da jornalista Tuty Osório:

Aniversário de 70 anos do amigo, festinha surpresa no salão de festas do condomínio, momento de encontrar quem não se vê há anos, alguns, até, há décadas. Colocar as conversas em dia, contar o que andam fazendo os filhos, quem se mudou de estado, de país. Os que mudaram de planos, prioridades, profissão. Hora de lembrar quem foi para o chamado outro lado, outra dimensão, andar de cima, encantou, virou estrelinha. Encontros que se dão pela afinidade do afeto, das vivências em comum, das aventuras em conjunto, – quando mais jovens, mais ousados, menos ajuizados, ou até mais. Depende do ponto de vista.

Na mesa do lado de fora, fugindo do ar condicionado e do burburinho do salão fechado, numa mesa redonda, reinava um papo importante, muito atual. Vencido o preconceito com as academias de ginástica, a amiga contava, orgulhosa, seus progressos na rotina recente de treinar cotidianamente.

Não era uma conversa banal. A amiga descrevia os primeiros dias, a dificuldade em persistir, as motivações que a fizeram adotar a prática de exercícios, sem jamais ter tido esse hábito. Discorria sobre o levantamento de pesos, em especial os dos aparelhos, tão em moda e que me apavoram porque desataram a cair sobre os novos atletas, em busca de firmeza no corpo. A amiga contava que já passou para uma fase mais avançada, pelo menos foi o que entendi.

Seria mais uma adesão comum a comportamentos que nos nutrem de disposição e autoestima. A sensação gratificante de cuidar de si, a conquista de uma vitalidade que faz bem, quando não é obsessiva.

Um ingrediente surpreendente, contudo, chamou a minha atenção e me fez ter vontade de voltar a investir
nessa jornada, tantas vezes recomeçada, outras tantas, abandonada.

A amiga argumentou que construiu uma relação de amor com aqueles instrumentos. Atribuindo-lhes um
sentido de concórdia, apaziguamento com o tempo que se ocupa em conciliar o desafio, ao invés de brigar com as metas. Intensificando a consciência que conduz à leveza, pela trajetória do peso. A superação de uma contradição, tornando-a coerente.

Fiquei pensando, até sem me dar conta, que elaborar é, muitas vezes, simplificar. Preencher de significados a aparência fria de uma estranheza que escolhemos como aliança, transformando o sacrifício, em prazer.
É a capacidade de simbolizar que nos torna, senão mais felizes, mais vivos. E se estamos vivos, que seja para
intensidades boas. Para não mais pedir aos dias que passem e nos deixem. Porém, que nos acordem na luz que mesmo esmaecida num céu nublado, lembra que podemos respirar fundo e seguir.

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Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.

São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).

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