De Paulo Montoryn, no The Intercept: “Lobby da Braskem virou caso de polícia”

De Paulo Montoryn, no The Intercept: “Lobby da Braskem virou caso de polícia”

Texto do jornalista Paulo Montoryn (foto), no site The Intercept BR:

O lobby da Braskem na CPI do Senado virou caso de polícia. Um dos profissionais que representava a mineradora, por meio da empresa de relações públicas FSB, incomodou senadores, jornalistas e membros de organizações da sociedade civil a tal ponto que a Polícia Legislativa teve que ser acionada.

O Intercept Brasil obteve relatos e fotografias que revelaram práticas do profissional. Entre elas, a perseguição a assessores parlamentares; a abordagem indelicada a ativistas que foram às sessões; a produção de fotografias dos presentes sem autorização; e a infiltração entre jornalistas para ouvir declarações do relator da CPI, o senador Rogério Carvalho, do PT do Sergipe.

Trata-se do jornalista João Freire, com passagens pela Revista Fórum e pela Empresa Brasil de Comunicação, a EBC. Atualmente, ele se identifica no LinkedIn como coordenador do projeto Indústria Verde na FSB. No entanto, a reportagem obteve mensagens de WhatsApp em que ele se apresenta a interlocutores como “assessor da Braskem para o caso Maceió”.

“Esse senhor nunca se apresentou, nem tinha alguma identificação de onde era ou quem estava representando. E de maneira ostensiva ficava cercando o senador no momento da saída das sessões da CPI e nas entrevistas”, me relatou um integrante da equipe do petista.

De acordo com os auxiliares do senador, “isso acabou ficando invasivo em certo ponto”. A solução encontrada pelo gabinete foi acionar a Secretaria da CPI para que entrasse em contato com a Polícia Legislativa do Senado – que deveria, então, lidar com o problema.

“O que fizemos para solucionar foi pedir para a própria secretaria da CPI entrar em contato com a Polícia do Senado para lidar da melhor forma com a situação. E o que soubemos foi que o próprio senhor pediu desculpas e ele parou de agir de maneira ostensiva e invasiva”, afirmou o gabinete de Carvalho.

Procurada, a FSB afirmou que Freire atuava na CPI pela FSB como assessor de imprensa, e não como lobista, e que não abordou parlamentares, apenas jornalistas e “outras pessoas para perguntar se eram jornalistas”. A empresa, no entanto, admitiu que a postura do profissional desagradou o relator.

“Apesar de atuar em espaço público e dentro das regras da profissão, a FSB decidiu retirá-lo do acompanhamento da CPI após o relator manifestar desconforto”, disse a empresa de relações públicas, em nota.

Sob condição de anonimato, servidores do Senado e integrantes de movimentos sociais ainda relataram outras situações embaraçosas. Um dos depoimentos dá conta que uma funcionária da Casa foi perseguida por Freire nos corredores do Senado. Outro, que ele passou a monitorar redes sociais de assessores e ativistas.

A tropa de choque da Braskem em Brasília

A Braskem entrou no alvo de uma CPI no Senado pelo afundamento de cinco bairros em Maceió, resultado da extração de sal-gema na capital alagoana.

A estratégia de lobby da Braskem na CPI foi muito além da atuação de Freire e da FSB. Com um setor próprio de relações governamentais, a empresa escalou sua diretora de relgov, Renata Bley, para coordenar os trabalhos. A gerente Núbia Batista, que atuou na equipe de lobby da Odebrecht por seis anos, comandou a ação direta em Brasília.

Antes mesmo da instalação da CPI, Bley já havia se reunido com consultores legislativos do Senado designados para acompanhar a comissão e com integrantes da equipe do relator. Para o encontro, segundo relatos, levou quase uma dúzia de advogados. “Não levar técnicos, apenas advogados, dá um recado”, me disse uma pessoa presente.

A primeira vitória do lobby da mineradora na comissão foi a nomeação do relator. Cercada de polêmica, a decisão do presidente da CPI, Omar Aziz, do PSD do Amazonas, foi de negar o posto de relator ao senador Renan Calheiros, do MDB de Alagoas.

Além de ser do mesmo estado da tragédia, Calheiros foi responsável por coletar as assinaturas necessárias para a implantação da CPI. Depois de ser preterido por Rogério Carvalho, o emedebista disparou contra Aziz e deixou o colegiado por não concordar com a indicação. “Estão tentando que a CPI trilhe caminhos diferentes”, afirmou Calheiros.

Aziz negou que tenha sido alvo de pressão e disse que escolheu Rogério Carvalho para garantir a isenção do colegiado. De fato, a renúncia de Calheiros teve impacto positivo para a empresa. “O relatório foi firme nos indiciamentos, mas todo mundo sabe que seria ainda mais pesado caso o Renan fosse o relator”, disse um assessor.

Mais que isso, o substituto de Calheiros como membro do colegiado foi o senador Alessandro Vieira, também do MDB, mas de Sergipe. Só que Vieira chamou a atenção pela falta de assiduidade. Ele só marcou presença em metade das sessões desde que passou a integrar a CPI. Foram sete visitas ao colegiado em 14 sessões como membro titular.

Vieira nem sequer apareceu em três sessões fundamentais da comissão, as últimas: a audiência que ouviu Marcelo de Oliveira Cerqueira, vice-presidente executivo da Braskem, e as duas finais, para a apresentação e votação do relatório final de Rogério Carvalho.

Mas quem a Braskem garantiu que estivesse presente às duas audiências em que seus executivos estiveram na mesa de depoentes foi o advogado Marco Aurélio de Carvalho. Ele é líder do Grupo Prerrogativas, conhecido pela amizade com o presidente Lula e é tratado na imprensa como um dos oráculos do Palácio do Planalto para indicações de juízes federais e até do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.

Em uma das sessões, no dia 10 de abril, chegou a sentar na mesa ao lado do depoente, Marcelo Arantes de Carvalho, diretor de Pessoas, Comunicação, Marketing e Relações com a Imprensa da Braskem. O líder do Prerrogativas foi até mencionado, em tom de brincadeira, por Rogério Carvalho: “Quero cumprimentar o advogado Marco Aurélio de Carvalho, meu parente – muito distante, mas deve ser parente”.

Na outra audiência em que marcou presença, em 14 de maio, Garcia preferiu a discrição e sentou na plateia, atrás da área destinada aos senadores. Seu papel não era segredo: ele chegou a ser porta-voz da Braskem em disputas judiciais com a CPI e impetrou habeas corpus no Supremo Tribunal Federal para defender os interesses da firma.

Na semana passada, por unanimidade, os integrantes da CPI da Braskem aprovaram o relatório final de Rogério Carvalho, que atesta a responsabilidade da mineradora no afundamento do solo em Maceió. Nas mais de 1.300 páginas, ele destaca a “lavra ambiciosa”, o desrespeito às normas de extração de sal-gema e a falta de monitoramento e recomenda um novo marco do setor.

No texto, o petista defende uma revisão dos acordos da Braskem com os moradores e solicita a realocação de quem ainda mora nas áreas monitoradas.

O relatório final será encaminhado à Procuradoria-Geral da República, aos Ministérios Públicos Federal e Estadual, às Defensorias Públicas, ao Ministério do Meio Ambiente e à Polícia Federal. Resta saber se as denúncias encontrarão outros assessores da Braskem no meio do caminho.