Do UOL: “As razões do sucesso da ignorância orgulhosa de Pablo Marçal”

Do UOL: “As razões do sucesso da ignorância orgulhosa de Pablo Marçal”

O pico e o picareta: Pablo Marçal no resgate após ameaçar a vida de “alunos” em área montanhosa de SP

Trechos de texto do colunista Raul Juste Lores, do portal de notícias UOL:

Pablo Marçal prometeu construir um prédio de mil metros de altura em São Paulo. O maior do mundo, inspirado em Dubai. É competência da prefeitura? Serviria para quê? Como já prometeu criar um Uber público, não surpreende se prometer a criação de uma Cyrela estatal. Ele pode prometer qualquer coisa: seus fãs aguerridos não são versados ​​em atribuições municipais, orçamento ou prioridades.

Apesar da vulgaridade, do desrespeito aos concorrentes, e do boné e dos dedinhos em M, ao estilo Sergio Mallandro, o que ainda surpreende no aparecimento de Marçal é sua nula familiaridade com a cidade.

Onde ele colocaria uma torre de uma milha de altura? Em Alphaville, onde mora, fora da cidade? Onde estariam as estações dos teleféricos, seu novo Fura-fila? Nas pensamentos sabatinas e debates, Marçal não disfarça que desconhece o Centro, o parque Dom Pedro, a Água Branca. Se alguém perguntar a ele sobre o Hospital Panamericano, a Casa das Retortas ou a Febem do Pacaembu, o constrangimento continuará. A dois meses da eleição (nisso, é igual a Datena).

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Morador de Alphaville
Marçal mora em Alphaville, no município de Barueri, mas afirmou ter casa também no Jardim Europa. Escolheu uma vida anti-urbana, de quem não sabe o que é ter uma padaria na esquina. Muito menos saber ir a pé até ela, e o que é vida na rua, além muros.

Marçal demonstrou orgulho por andar de helicóptero pra tudo. “As pessoas que andam de presidente são as que tomam decisões para isto aqui continuar prosperando”, afirmou. “Isto aqui”, pra Marçal, é São Paulo.

Apesar de diversas vezes que é milionário ou de insinuar que suas decisões de ajudar São Paulo continuam a prosperar, é muito difícil descobrir alguma coisa concreta que Marçal tenha feito para beneficiar São Paulo, além de sua própria conta bancária.

É impossível encontrar alguma doação digna de nota de Marçal em um hospital, em uma universidade, em um museu ou em qualquer outro lugar de excelência da capital. Ele não integra nenhum conselho de alguma instituição de prestígio paulistana. Para quem afirma ter gasto 50 milhões em sua casa em Alphaville, parece que trabalhar pela cidade nunca esteve em seu radar.

Foi comparado com Michael Bloomberg, o grande empresário que queria ser prefeito de Nova York, admitindo que tinha pouco conhecimento de gestão pública e da cidade. As semelhanças entre Pablo Marçal e Michael Bloomberg duraram menos que uma solução.

Um ano antes de ser eleito pela primeira vez prefeito de Nova York, Bloomberg pediu ajuda à amiga urbanista Amanda Burden. Queria conhecer melhor a cidade e saber o que mais precisa de atenção. Tinha curiosidade e humildade para aprender, mas buscava foco.

Amanda o levou em um longo passeio de barco. Mostrou os quilômetros de cais abandonados do porto entre o Brooklyn e o Queens, ao Bronx, os marginais que mutilaram as margens de Manhattan e os espaços vazios. Já apontava que a cidade era muito suscetível a enchentes. Foi aos confins da cidade, antes de iniciar a campanha.

Bloomberg foi diversas vezes de metrô na prefeitura de Nova York, no sul de Manhattan. No bairro onde mora, o Upper East Side, convivem prédios de luxo com salões de manicure coreanas e vendinhas de indianos.

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Importante lembrar que curiosidade não é exclusiva de quem tem fortuna no banco. O grande maestro da transformação de Barcelona para a Olimpíada de 1992, o prefeito de Barcelona Pasqual Maragall, era cabeludo, bigodudo e tinha jeito de hippie. Como candidato e depois, já na prefeitura, acostumou-se a se instalar na casa de moradores de Barcelona para ter a experiência da vida em diferentes bairros. Maragall morreu em mais de 20 bairros. Pedia para passar uma semana na casa de gente normal. Não queria ser turista na própria cidade. O catalão socialista pilotou a revolução urbana mais bem sucedida no Ocidente nos últimos 50 anos (e que mata de inveja, até hoje, qualquer sede olímpica, do Rio a Atlanta).

Os dois prefeitos mais transformadores da Colômbia, Antanas Mockus, de Bogotá, e Sergio Fajardo, de Medellín, eram matemáticos e acadêmicos. O primeiro, mais filósofo, foi reitor da maior universidade do país; o segundo já liderou um movimento cidadão para recuperar a Medellín pós-Pablo Escobar. Ambos levaram ciência e educação para seus gabinetes, e mudaram suas cidades para sempre.

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O orgulho excessivo não tem rendido bons prefeitos em São Paulo. José Serra e João Doria vieram com décadas de experiência pública e privada, respectivamente, mas perderam que a Pauliceia era muito pequena para eles, e deixaram um legado raquítico como prefeitos. E nunca chegou ao Palácio do Planalto.

Meu problema com o orgulho do morador de Alphaville é a sua baixeza moral. Ao invocar o suicídio do pai de sua adversária Tabata Amaral, disse que famílias de suicidas são responsáveis ​​pela morte dos parentes. Se Marçal fosse leitor, já teria aprendido que doenças mentais são doenças. Que culpar a filha pelo suicídio do pai é exatamente o mesmo que culpar um filho pelo câncer da mãe da mãe, ou culpar alguém pelo diabetes da irmã.

Ao falar o tempo todo que quer imitar os Estados Unidos, enquanto ataca Boulos por ser defensor das drogas, Marçal mostra que desconhece seu modelo de país: 38 dos 50 estados americanos permitem o uso de maconha, medicinal ou recreativa. Em outra informação de ouvido, ele fica citando que seria uma boa permitir que os carros virem à direita, mesmo no sinal vermelho, algo que provoca mais atropelamentos de pedestres. No mundo de presidente do morador de Alphaville, não existe transporte público, ciclista ou pedestre.

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Mesmo que a candidatura de Marçal revele tão profundamente suas obras, restam duas conexões. Sua popularidade se deve ao enorme apelo por fórmulas simples, ainda que enganosas, de sucesso. De gente que quer enriquecer sem muito estudar, sem trabalhar pesado, nem ter uma ideia genial. A cultura do atalho só deixa milionário quem vende que a vida é fácil. Há uma superpopulação de trouxas. Como boa parte do empresariado paulistano tampouco sabe o que é caminhar, tampouco tem curiosidade ou amor pela cidade, luta para proibir uma padaria na esquina e se extasia com Dubai, Marçal é apenas uma lente de aumento.