Do Intercept_Brasil: “A pirâmide do coach vai cair?”

Do Intercept_Brasil: “A pirâmide do coach vai cair?”

Texto dos jornalistas Paulo Motoryn e Tatiana Dias, no site The Intercept:

Não é exagero dizer que a ascensão de Pablo Marçal na corrida eleitoral é um caso de manipulação digital sem precedentes. O coach, candidato à prefeitura de São Paulo pelo PRTB, inundou as redes sociais nos últimos anos com uma estratégia agressiva de anúncios, o tráfego pago. E, agora, usa essa estrutura para tentar se eleger prefeito da maior cidade do país.

Para se ter uma ideia do impacto, de janeiro deste ano até o início oficial da campanha eleitoral, em 16 de agosto, mais de 6.400 anúncios rodaram no Instagram e no Facebook mencionando Pablo Marçal – sem o rótulo de anúncio político (com o rótulo, a título de comparação, foram apenas 380).

Dessa forma, escapam das frouxas normas de transparência da Meta, já que para propagandas sobre eleição e política, a empresa revela os valores investidos.

Quanto dinheiro a Meta já faturou com Pablo Marçal? Não dá para saber. Mas a cifra certamente ultrapassa centenas de milhares de reais, o que constitui um bom negócio para os dois lados: o político e a plataforma.

A ascensão do coach é mais um exemplo claro de como o modelo de negócio das big techs, baseado em sugar dados das pessoas para vender anúncios direcionados, pode distorcer a opinião pública e influenciar eleições.

A arquitetura das redes sociais é pensada para isso: manipular e influenciar. O que Marçal faz é um uso otimizado e ultraeficiente dessa estrutura, agora aplicada em uma campanha eleitoral.

Mas a estratégia de Marçal não é só um case de marketing digital. A perversidade vai além: transpõe para o universo digital um dos golpes mais antigos e perigosos que existem na praça, o esquema de pirâmide.

Nesta semana, nos debruçamos sobre o caso que ficou conhecido como “Cortes do Marçal”, uma competição onde os participantes recebem prêmios por gerar o maior número de visualizações em suas próprias páginas, de conteúdos do coach.

Os vídeos, nomes das páginas, as legendas e até as hashtags são sugeridas pela equipe de Marçal. Nós gastamos muitas horas frequentando o canal do Discord onde o torneio acontece.

Não é só um gincana na internet. É uma engenharia social complexa, que brinca com o sonho de milhares de pessoas: os participantes são seduzidos pela possibilidade de levarem prêmios diários, mensais ou acumulados dentro da própria comunidade.

Os valores são baixos, mas servem para incentivar os participantes a viralizarem conteúdos nas redes sociais e, quem sabe um dia, enriquecerem.

“Marçal emerge de uma carência, de um mundo que está gritando por uma profunda falta de política pública robusta de emprego. A mensagem falaciosa dele é que todo mundo vai ser empreendedor”, explicou a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, que já foi nossa colunista por aqui, em entrevista nesta semana ao UOL.

Em seu esquema de cortes, é possível enxergar esse mecanismo em ação. Marçal alimenta a ilusão, afirmando que “meninos” podem ganhar até R$ 400 mil com o esquema, embora isso nunca tenha sido comprovado. Na realidade, alcançar essas cifras requer níveis estratosféricos de audiência e engajamento, o que não só é uma tarefa monumental, mas também exige jornadas de trabalho extenuantes.

Pinheiro-Machado, que estuda o mundo do marketing digital e sua relação com a precarização e a ascensão de ideologias de extrema direita e ultraliberais, afirmou que Marçal ainda vai crescer muito. Nesta semana, as pesquisas já mostraram isso. “Talvez ele seja a pessoa mais especializada em explorar as redes sociais entre todos os políticos”, ela disse.

Marçal é recente, mas já dá para cravar: estamos diante de um outro fenômeno político. Enquanto o bolsonarismo utilizou a retórica de ódio, fake news e radicalização à direita para engajar sua audiência, o coach combina tudo isso com promessas de riqueza e sucesso. O alimento perfeito para os algoritmos em um país sedento por emprego e possibilidades de futuro.