Artigo do professor e escritor cearense Carlos Gildemar Pontes (foto), originalmente publicado no site Segunda Opinião:
Há sete anos, eu não estava atrás de Rachel, estava pendulando pela rua com o coração obstruído em 95%. Um verdadeiro zumbi. O médico que olhou meu cateterismo disse não entender como uma pessoa com aquele nível de comprometimento cardiorrespiratório poderia estar à sua frente, vivo. Esse drama ocorreu em 2017 e, como comprova este texto, eu estou contando a história. Por isso, sou muito grato à Ciência e à boa Medicina.
Nesses últimos dias, acompanhei uma pessoa querida ao Hospital de Messejana, referência em cardiologia no Brasil. Esqueci de dizer no primeiro parágrafo que as minhas safenas e a mamária foram colocadas em João Pessoa, na Paraíba. Porque o Hospital de Messejana tinha uma demanda tão grande que eu não suportaria dois meses de espera, e estavam previstos três, entre minha entrada e a cirurgia de revascularização. Em princípio, fiquei com medo de fazer a cirurgia fora, porque todo o processo pré-operatório foi feito aqui, em Fortaleza, onde fiquei numa vida monástica e quase numa bolha, para evitar sobressaltos que me mandassem para o reino dos pésjuntos.
Voltando ao Hospital de Messejana, nos dias atuais, fiquei estarrecido com o descaso ou descuido, dá no mesmo, em que encontrei o hospital. Logo na entrada, funcionários terceirizados de uma empresa de segurança faziam a recepção. Sem trato educacional adequado para lidar com um público doente ou acompanhante de enfermo, tratavam mal ou esqueciam que a maioria dos que ali se dirigiam para tratamento ou cirurgia poderia ser como um deles, pobre, assalariado ou sem o poder aquisitivo, dependendo única e exclusivamente do SUS.
Entre desentendimentos e frustrações, conseguimos romper a barreira do mau senso e fomos acolhidos. A paciente a quem acompanhava iria realizar um Implante de Prótese de Amplatzer, nome técnico para remendo de um furo no ventrículo (não confundir com ventríloquo), pelo menos foi isso que entendi. A cirurgia foi um sucesso e, após um dia de UTI, a paciente foi para a Enfermaria. Aqui começa o festival de horrores. Baratas pelos quartos eram funcionárias da limpeza de detritos; banheiros fétidos e de causar náusea era parte daquele ambiente mau cheiroso; mofo nas paredes; ar condicionado sem funcionar ou em mau funcionamento era normal; demora em fazer exames rotineiros por problemas em aparelhos ou um único aparelho para realizar exames em todo o hospital… Eu não sei se nesse lapso de tempo houve algum descuido da direção ou se a direção não sabe o que ocorre internamente. Eu não sei o que se passa com a saúde no estado do Ceará, mas eu fiquei preocupado. Principalmente, porque sou usuário do SUS. Posso fazer um contraponto comparando o desleixo que vi com a diferença entre outro hospital público de referência. O Hospital das Clínicas, da UFC, hospital escola, me parece ser uma verdadeira amostra de como devem ser tratados os pacientes pelos profissionais do atendimento. Com as exceções de sempre, com relação às portarias e aos “filtros” de entrada (esses funcionários deveriam receber treinamento voltado para a humanização), o conjunto dos serviços oferecidos pelo HC são de um nível de resolução excelente para um público tão carente que a ele recorre.
Não sei se o descaso com a saúde no último governo e o apoio de parte da classe médica ao projeto privatista anterior têm a ver com isso, mas o fato é que fiquei muito preocupado. Ao mesmo tempo, sei que as lutas dos servidores públicos pela melhoria dos serviços públicos prestados e defesa da democracia na solução dos problemas sociais, notadamente na área da saúde, são fruto das lutas de agentes responsáveis e comprometidos com a qualidade destes serviços.
Orgulhoso estou de ter uma filha concluindo Medicina, que todo dia me relata fatos reprováveis em procedimentos e arrogância por parte de uma minoria mercantilista que insiste em ser boçal. Com a sua revolta, ela se esforça para fazer a diferença mostrando que nós, os oprimidos, os periféricos, os marginalizados podem ter esperança de contar com muitos destes jovens médicos que ingressaram na Medicina ascendendo via programas de inclusão do governo.
Esses herdeiros da periferia, não podem esquecer de onde vieram e a responsabilidade que terão de cumprir na profissão. Confio que teremos ao nosso dispor mais humanidade e competência, jogando para o porão da história a forma elitista, privatista e equivocada com que muitas gerações de profissionais da saúde foram criados.