A crônica da Tuty: “Eu não sou poeta”

Texto da jornalista e escritora Tuty Osório:

Fim de tarde. A batata doce aguarda aparentemente abandonada na tigela da Shitzu. Prato do almoço, vai longe o adiar. Esclarecendo o cardápio: a cachorrinha tem 12 anos e andava enjoada e passando um pouco mal. Com a vivência de quem chegou a bisavó, minha mãe foi experimentando até fechar em café da manhã, duas fatias finas de presunto suíno cozido sem gordura; almoço, batata doce cozida na água pura, sem sal; jantar de abóbora cozida, também sem sal, misturada a ração gastrointestinal amolecida na água do cozimento.

Esclarecendo, também, que o assunto refeições é interno entre as duas. Se sou eu que preparo Mafalda não come. Só aceita se for a avó. E nesse dia da tigela intocada, minha mãe havia passado a tarde indisposta e sem energia. Coisa que a deixa  triste e que a Mafalda logo percebe e toma para si. Conclusão: ao sair a minha mãe do quarto, tigela vazia em minutos. Vovó recuperada, Mafalda animada e com fome resgatada. Eu, aliviada duplamente.

São eventos simples que me emocionam, confesso. A sensibilidade da Mafalda, a sintonia entre elas, sendo que minha mãe nunca foi muito fã. A amizade é uma conquista de ambas, erguida com dedicação, ternura, essa magia doida que é saber viver. Hoje seria difícil afastá-las. Nem se cogita. Com muitos assuntos rondando a conjuntura, a rede de afetos doméstica é o que me domina. Não teve jeito.

Gostaria de ter escrito haicais fofos, sobre. O haicai é uma forma de alegria, terapia, até. E essas duas preenchem o meu dia a dia com lirismo que transborda, sem eu nunca saber o que fazer com tanto.

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Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.

São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).

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