Artigo do jornalista Bruno Fonseca, chefe de Redação da Agência Pública (foto):
“Eu comecei a construir redes sociais para dar voz às pessoas”, disse o bilionário Mark Zuckerberg no infame vídeo divulgado em 7 de janeiro pela Meta, conglomerado dono do Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads.
No comunicado – como você já deve saber a este ponto – o empresário disse que irá suspender a checagem de fatos, eliminar restrições sobre temas como gênero e imigração, diminuir a prática de suspender postagens e perfis, deixar de reduzir o alcance de temas políticos, mudar a equipe que faz moderação da Califórnia para o Texas e, acima de tudo, que vai trabalhar junto a Donald Trump para se opor a governos que estariam avançando contra empresas dos Estados Unidos e censurando a liberdade de expressão. Em outras palavras, e perdoe meu francês, uma patifaria.
Como você já deve ter lido na imprensa ao longo da semana e na Pública, as decisões de Zuckerberg são um retrocesso e irão facilitar, ainda mais, a divulgação de mentiras nas redes. E aproveito o momento para fazer uma checagem: o bilionário não começou a construir redes para dar voz às pessoas. O Facemash, o embrião do Facebook feito por Zuckerberg e seus coleguinhas da elite de Harvard, era um sistema para avaliar se os estudantes eram sexy ou não. Novamente, em bom francês, um jogo de pegação e exposição dos outros.
Esse fato biográfico pode parecer banal, mas reforça como a “meta” de Zuckerberg, com o perdão do trocadilho, nunca foi empoderar pessoas, dar voz a comunidades com menos representatividade ou estimular a democracia. Esse argumento vem depois, uma missão fabricada para dar algum tipo de nobreza ao negócio e, acima de tudo, esconder que as redes de Zuckerberg só conseguem ser tão lucrativas porque não se preocupam com as pessoas.
“ Mentiras geram engajamento. Conteúdos sensacionalistas são bons para o algoritmo. O vício nas redes, inclusive de crianças e adolescentes, é bom para o negócio. Veja bem: o próprio sistema de anúncios da Meta é mais lucrativo quanto menos ético for.”
No Brasil, de dois em dois anos, políticos inundam a Meta de dinheiro com recursos públicos para impulsionar suas candidaturas.
Já a Brasil Paralelo, que tem conteúdos negando as mudanças climáticas, é a maior anunciante de conteúdos políticos da história da Meta no país. Ela despejou mais de R$ 25 milhões em quase 70 mil anúncios na plataforma. O valor é mais que o dobro pago pelo governo federal. E isso, segundo os dados da biblioteca de anúncios da própria Meta, uma miséria de transparência conquistada após muitas críticas da sociedade civil brasileira – e que, não duvido, pode ser cancelada nesta nova fase de Zuckerberg.
A própria Meta ganhou dinheiro do Google para o lobby contra a regulamentação das redes.
O bilionário até chegou a reconhecer que há muito conteúdo ruim nas redes que fazem sua fortuna. “Isso pode ser uma bagunça”, disse, do inglês messy. Ora, a “baguncinha” a que ele tão casualmente se refere pode ser simplesmente a tentativa de um golpe de Estado num país de mais de 200 milhões de habitantes. A Pública mostrou como anúncios pagos no Facebook e Instagram convocaram para atos golpistas e mentiram sobre eleições. A própria invasão de 8 janeiro, que coincidentemente fez dois anos um dia após o vídeo de Zuckerberg, foi combinada em redes sociais, inclusive no X, do seu colega bilionário trumpista Elon Musk. Era a festa da Selma!
E vamos falar de jornalismo. Parte da riqueza de Zuckerberg e da Meta vem do conteúdo jornalístico que eles “chupinham” sem pagar um tostão às redações. As redações, por sua vez, reféns desse mercado de atenção, além de entregarem seu conteúdo de graça, pagam para ter mais alcance na praça digital. E pior, boa parte da checagem de fatos no Brasil acabou se tornando dependente do dinheiro que vem justamente da Meta e do Google.
Zuckerberg, assim como Musk, tem viés político e ideológico. Musk vibrou com Trump no palanque. Zuck jantou com o político na sua residência em Mar-a-Lago, na Flórida, em novembro. A Meta financiou cerca de R$ 6,2 milhões a Trump, que já chegou a ser banido do Instagram e Facebook na época da invasão ao Capitólio por postagens que repetiam as alegações de fraude, sem provas, e que inflamaram os invasores.
Mas eles dizem que quem tem viés são apenas os outros: os checadores da Califórnia e a imprensa.
A checagem de fatos pode melhorar. As cortes e os juízes devem ser investigados, inclusive pelo jornalismo criterioso. Mas isso é totalmente diferente de um bilionário que enriqueceu graças a um produto que sacrifica ética por lucro apontar viés em outros, enquanto financia e apoia seu político de tiracolo.
Nós estaremos aqui, investigando e expondo a “bagunça” que os bilionários da tecnologia promovem com seus desgovernos digitais.