Por Roberto Maciel, jornalista
Topei por estes dias com texto no portal de notícias UOL com o título “Padaria, família e academia: a rotina silenciosa do general Heleno”, assinado por Carla Araújo.
A isso se tem chamado popularmente de “passar o pano”. O sujeito que a jornalista aborda, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, elemento de alta e denunciada letalidade, deve, na verdade, ser tratado com prudência e distanciamento criteriosos, cuidadosos. Isso precisa ser feito em nome da segurança social e em nome da Justiça.
Muita idade, e ele tem 77 anos, nunca foi sinônimo de bom caráter.
Diz lá o texto complacente de Carla Araújo sobre o personagem que foi, entre outros, um dos 34 denunciados pela Procuradoria Geral da República pelo golpe de estado frustrado em 8 de janeiro de 2023:
A coluna apurou que o general tem dito a amigos apenas que “está aguardando o desenrolar do processo e vai se defender”. Ele evita conversar sobre “o passado”.
Heleno também garante estar cumprindo as determinações do ministro Alexandre de Moraes e nunca mais falou com Bolsonaro. E nem com os outros colegas de farda que estão envolvidos no processo, suspeitos de planejarem formas de não permitir a posse do presidente Lula e manter Bolsonaro no poder.
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Heleno tem traços de psicopatia e sociopatia na conduta dele, isso sim. Mesmo assim, Carla segue com o texto suave:
Quando estava no governo, Heleno não escondia a sua indignação pelo fato de Lula ter conseguido concorrer às eleições de 2022. Reclamava de que havia perseguição por parte do Judiciário e questionava a conduta do TSE.
Apesar disso, pessoas próximas a ele garantem que ele jamais participou de um plano golpista e assassino, como o que general Mario Fernandes (que está preso) elaborou para tentar matar Lula e Moraes.
Após a denúncia, o STF também tornou pública —em texto e vídeos— a delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. Nela, o colaborador fez declarações que, para aliados de Heleno, corroboram a versão de que ele não teria participado da arquitetura do golpe.
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Mas, admitamos, nem tudo são flores no artigo no UOL:
A PF apreendeu na casa de Heleno uma agenda em que o ex-ministro anotou estratégias para descredibilizar as urnas eletrônicas e para barrar a Polícia Federal de cumprir ordens do Judiciário. As anotações revelam plano para coagir PF a não cumprir ordens do Judiciário contra o grupo político de Bolsonaro e apoiadores. A medida previa punir autoridades policiais por crime de abuso de autoridade e até prisão em flagrante.
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O tom agudo e áspero, no entanto, logo dá espaço à tese do “bom velhinho” que compra “pão quentinho” e leva para “os netinhos”:
Heleno continua a comprar pão quase todos os dias próximo a sua casa, que fica no plano piloto de Brasília, e frequentar o supermercado como fazia na época de governo. A ida a restaurantes, como o desta semana, é algo mais esporádico.
Mesmo com 77 anos, o general mantém a rotina de frequentar a academia praticamente todos os dias. Ele ainda tem dores no ombro e na coluna, mas amigos garantem que está bem fisicamente – levando em consideração que, apesar de ter sido atleta nas Forças Armadas, é um idoso e tem as limitações inerentes da idade.
(…)
Pessoas próximas dizem que ele está “inconformado” e “pensativo” e negam qualquer traço de depressão, como chegou a apresentar no fim do governo.
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Há, porém, quem diga que a imagem de “véio, prendado e do lar” esteja sendo forjada como meio de indicar à opinião pública que nem todos do entorno de Jair Bolsonaro eram facínoras que planejaram matar o presidente da República, o vice e um ministro da corte suprema do País.
Talvez o general Heleno, embora idoso e alquebrado, não seja o melhor personagem para se plantar uma tese fajuta de boa gente entre quadrilheiros.
O vídeo abaixo o mostra, sem pudor nem hesitação, falando de golpe:
Indo mais para o passado, sabe-se que Heleno comandou no Haiti a chamada “Minustha”, força da ONU mobilizada para pacificar o país em
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O site “Brasil de Fato” faz um relato cru de um episódio da atuação dele na nação caribenha:
Na madrugada de 6 de julho de 2005, tropas da Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah), comandadas pelo exército brasileiro, fizeram uma operação de “pacificação” na maior favela da capital haitiana, Porto Príncipe, conhecida como Cité Soleil. Segundo testemunhas, cerca de 300 homens fortemente armados invadiram o bairro e assassinaram 63 pessoas, deixando outras 30 feridas.
Na época, o comandante da Minustah era o general brasileiro Augusto Heleno.
É isso: pesa na memória profissional dele um massacre contra civis, em geral gente faminta e sem condições de reação. Continua o Brasil de Fato:
A ação foi objeto de uma denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), baseada em depoimentos de moradores e em relatório elaborado pelo Centro de Justiça Global e da Universidade Harvard (EUA). No documento, a Minustah foi acusada de permitir a ocorrência de abusos, favorecer a impunidade e contribuir para a onda de violência no país caribenho.
O caso teria causado desconforto no Palácio do Planalto, liderado na época pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Fonte ligada ao Ministério da Defesa confirmou (…) que o governo brasileiro teria recebido uma solicitação da ONU para substituir o comando das tropas no Haiti, o que foi feito dias depois, com a entrada do general Urano da Teixeira da Matta Bacellar no comando.
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Heleno teria, segundo as denúncias, massacrado também os nomes do Brasil, do Exército Brasileiro e da ONU.
Quis continuar agindo. E agora tenta vestir a pele de cordeiro que os “bons velhinhos” costumam vestir.