Por Tuty Osório, jornalista e escritora:
Em 1995, grávida da minha primeira filha, coordenei uma pesquisa qualitativa que buscava os significados da televisão para os brasilienses, de todas as regiões e estilos de vida. Num dos grupos focais, a jovem mulher contou que após uma noite de angústia e insônia, amanheceu o dia com um programa rural, animais, agricultura, verde, campo em movimento entrando pela casa através da telinha.
Não lembro o nome, porém, o rosto, como quase todos os milhares que já estiveram comigo nas muitas investigações de opinião, está gravado. Olhos e cabelos claros, óculos leves, marcas da adolescência na cara levemente queimada do sol. Uma moça da periferia, moradora de um prédio de apartamentos minúsculos, sem jardim, frutas ou pássaros. Desabafando sobre o quanto a conexão com a natureza a refez da tristeza, mesmo via audiovisual.
Passados quase 30 anos, na apresentação de Daniel e Lara que me trouxe a Amazônia equatoriana, volta essa lembrança de aparente distância. Só que não. É atual e tem tudo a ver. Foi por telas que a questão dos povos originários em resistência me chegou. Numa rua de nome Tabajaras, os indígenas de terras cearenses, junto ao mar, os jovens pesquisadores falam para uma pequena, contudo forte, plateia de gente interessada.
Numa casa do início do século XX, onde funciona um Instituto de Línguas que é também Centro Cultural e reduto gastronômico. Brasília veio do meu inconsciente, onde estão a fogo as muitas escutas que me seguem.
Nossa capital é terra de muita consciência ecológica, de muita sensibilidade à agro floresta, A população tem essas referências na sua trajetória, uma cidade erguida em um Cerrado de reinado do lobo guará. Do mico leão dourado, das corujinhas escondidas nos buracos da praça da Torre de TV.
São encontros com o que temos em comum com os chamados bichos, as ditas plantas. Como no cinema, na constituição equatoriana de Acosta, em itens da carta da Bolívia, os direitos da natureza vêm junto com os da cidadania. É tão complexo, em tempos em que a população de rua só cresce, a desigualdade se agrava, a crueldade se banaliza.
Tentei ser engraçada, fazer parábolas de humor e, me perdoem, não consegui.
Continuarei tentando, por saber que o palhaço vem do sonho. Guarda, ele também, uma história triste abrigada nos risos que tem a coragem de semear.
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Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.
São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).
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SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA
QUANDO FEVEREIRO CHEGOU
MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA
Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais.