Por Eudes Baima, professor universitário:
A Igreja Católica escolheu seu novo monarca, o cardeal estadunidense-peruano Robert Francis Prevost, que adotou o nome pontifício de Leão XIV.
Por causa do nome do novo Papa, Leão XIV (à esq. na foto acima), várias pessoas estão lembrando do Papa Leão XIII (à dir.) e de sua encíclica Rerum Novarum, que fundou a Doutrina Social da Igreja (DSI). A referência visa a dar ao novo Papa um carimbo de progressista, já que a escolha do nome se referiria a preocupações sociais da Igreja Católica, expressas na encíclica de Leão XIII e na DSI.
Mas parece que ninguém se deu ao trabalho de ler o documento e começam a circular coisas que não têm nada a ver com a encíclica. Por exemplo, que a encíclica defende os trabalhadores, ou que trata do direito de eles terem sindicatos, e outras desinformações.
A Rerum Novarum e sua sucessora, a encíclica Quadragesimo Anno, tratam precisamente do contrário disso.
A encíclica Rerum Novarum, de 1891, e a Quadragesimo Anno, de Pio XI, de 1931, indicam justamente a política da Igreja visando à subordinação dos trabalhadores aos patrões e ao Estado por meio da criação de instituições corporativas, reunindo capitalistas e trabalhadores sob a tutela do Estado, os “corpos intermediários”, que regulariam as relações capital-trabalho.
Os corpos intermediários suprimiriam os sindicatos, na prática, transformando-os em parte integrante desta estrutura corporativa de natureza estatal.
A Rerum Novarum coincide com as posições do sociólogo Emile Durkheim, cuja teoria estava voltada para expurgar da inevitável divisão do trabalho o aspecto da luta de classes que ela engendra. Durkheim (como Leão XIII) considerava a divisão social do trabalho necessária, mas deplorava como anomia a luta de classes e a existência de organizações construídas pela classe trabalhadora para enfreta-la.
Essa estrutura corporativa, de colaboração permanente entre capital e trabalho em defesa do ramo econômico comum ao trabalhador e ao patrão, dissolvendo as lutas entre eles, não tem possibilidade de ser implantada a não ser por um Estado autoritário.
Na história, todas as tentativas de impor estados corporativistas estiveram associadas a regimes totalitários, como o fascismo italiano, com quem aliás Pio XI, da Encíclica Quadragesimo Anno, tinha excelentes relações. Foi Mussolini que cedeu o Vaticano à Igreja Católica.
As duas encíclicas, Rerum Novarum e Quadragesimo Anno, estavam explicitamente voltadas para combater a tendência dos trabalhadores de construírem suas próprias organizações independentes, a pretexto de combater a influência socialista e comunista neste processo de organização.
Leão XIII, Pio XI e suas encíclicas nada têm de progressistas, ao contrário, elas são documentos reacionários, antioperários e anticomunistas e inclusive antidemocráticos, na medida em que interditam a liberdade de organização e o livre curso da luta de classes.
No Brasil, a Ditadura do Estado Novo tentou implantar um regime sindical corporativista, baseado na Carta del Lavoro, de Mussolini, e nas encíclicas papais, com sucesso apenas parcial, porque, com a queda da Ditadura, em 1945, o Estado perdeu parte dos meios de coerção para enquadrar os sindicatos, que, mesmo mantida a estrutura sindical corporativista até os 1980, retomaram, na medida de sua relativa independência, as lutas e as greves.