Por Silvero Pereira, ator e cantor cearense – texto publicado originalmente no jornal “Diário do Nordeste”:
Inflamou-se, recentemente, uma grande discussão sobre o “limite do humor”. Sempre que esse debate vem à tona, muito se fala sobre censura ao processo criativo, ditadura do politicamente correto e por aí vai. Desta vez, a situação ficou tão acalorada que chegaram a misturar humorista, comediante, ator, intérprete, personagem e palhaço, tudo no mesmo balaio e acho importante, neste espaço, falar sobre o tema e desfazer esse engodo.
Em primeiro lugar, a lei da liberdade de expressão, de fato, nos permite ter livre pensamento e poder de fala, mas esse não é um direito absoluto e há um abismo que separa uma piada de um crime. É muito importante, em casos como o do comediante condenado, que fique claro que sua condenação não aconteceu por “contar piadas”, mas por uma série de crimes contra coletivos vulneráveis, cometidos show após show.
O humorista em questão se diz condenado por um texto fictício, feito por sua “persona”. Corrijam-me se eu estiver errado, mas até onde sei, a comédia stand up trata-se, justamente, do “humor de cara limpa”, sem personagem.
Então, vejam que ironia, o próprio humorista, em seu livro “Segredos da Comédia Stand Up”, expressa a seguinte frase: “Ser autêntico é muito importante na comédia stand up, afinal, você não está interpretando personagem”.
Personagens, inclusive, são aqueles de obras ficcionais. Novelas, por exemplo. Chega a ser constrangedor comparar a situação do tal humorista aos vilões de novelas e exigir a prisão de atores e atrizes que os interpretaram.
É de uma ignorância sem tamanho colocar em xeque uma obra coletiva criada, roteirizada e dirigida para a ficção e compará-la a um texto individual de um comediante stand up.
E se ainda coubesse qualquer espaço para comparações, eu pergunto: qual o final destinado aos vilões em novelas?
A comédia, o humor, o ato de fazer um público rir é um dos exercícios mais difíceis para um artista, tendo em vista que ele precisa, no meio do caos da realidade, fazer o espectador se divertir.
Usar esse mecanismo para cometer injúria e discriminação, ferir os princípios da dignidade humana e ainda utilizar a internet para amplificar a hostilização de grupos historicamente marginalizados é, sim, criminoso.
Eu não acredito que um humorista deva sofrer censuras. Nem ele e nem qualquer outro artista, mas precisamos nos ater ao fato de que artistas também são cidadãos civis e devem cumprir leis.
Todo assunto pode se tornar tema de piada, mas nenhum tipo de crime deve ser feito disfarçado de chacota para passar impune.

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