Do jornalista Paulo Motoryn, na newsletter Cartas Marcadas, do site The Intercept:
Vou ter que abrir uma exceção nessa edição de Cartas Marcadas.
Como você sabe, a ideia da newsletter é trazer ao mundo investigações sobre as tramoias da extrema direita e do Centrão. Foi isso o que fizemos nas últimas semanas e seguiremos fazendo até a eleição do ano que vem.
Mas, hoje, vou trocar a reportagem que estaria nesse espaço – mais uma apuração sobre o uso questionável do fundo partidário do PL, o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro – por um relato pessoal.
Farei isso porque tem me machucado profundamente a passividade com que temos encarado a hipocrisia protagonizada pelo empresário Paulo Figueiredo e pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, do PL de São Paulo, alçados a heróis pela extrema direita por estarem liderando o lobby anti-Brasil nos Estados Unidos. Vamos aos fatos.
No último dia 21 de julho, Figueiredo e Eduardo Bolsonaro participaram de uma sabatina no podcast Inteligência Ltda., comandado por Rogério Vilela, um dos programas com maior audiência da internet brasileira.
Não escrevo isso aqui para questionar se eles devem ou não ter espaço em podcasts ou emissoras de televisão, como a CNN Brasil — que, por sinal, tem dado amplo espaço para chantagens e ataques à democracia e à soberania brasileira.
Vou falar desse podcast porque, além de defenderem o que estão fazendo nos EUA, Figueiredo e Eduardo usaram o microfone para posar de paladinos da liberdade de expressão e do jornalismo. E isso me despertou o mais profundo asco.
Sim, Figueiredo até afirmou que gostou muito da Vaza Jato, série que publicamos aqui no Intercept Brasil, e Eduardo performou certa simpatia diante dos jornalistas convidados para entrevistá-los.
Há quem acredite nesse papo furado. Não é o meu caso. Em fevereiro de 2024, fui um dos autores da reportagem que revelou imagens inéditas de Jair Bolsonaro escondido na Embaixada da Hungria com medo da Polícia Federal. O que aconteceu depois de a matéria ir ao ar?
Figueiredo passou mais de uma hora em uma transmissão ao vivo no seu canal de YouTube vasculhando meu perfil no LinkedIn, lançando ataques pessoais contra mim, contra o Jack Nicas e contra o Leonardo Coelho — meus colegas naquela investigação.
Na ocasião, o neto do ditador Figueiredo usou um argumento repetido: o fato de eu ter sido assessor de imprensa do governo federal em 2015, quando tinha pouco mais de 20 anos, para me acusar de parcialidade — algo que é munição para ataques constantes que sofro até hoje.
Um ano depois, em março de 2025, após revelar o paradeiro de um foragido do 8 de Janeiro na Argentina — condenado a 16 anos e meio de cadeia por envolvimento em atos violentos —, foi a vez de Eduardo Bolsonaro transformar minha vida em um inferno.
O filho de Jair Bolsonaro compartilhou um post me chamando de “cadela do tirano” e ameaçando que “a hora de vocês vai chegar”. O resultado? Uma avalanche de ameaças de morte, divulgação do meu endereço, ataques à minha família.
Foram semanas fechado em casa e um impacto que vivo até hoje. Vou evitar detalhes por questão de segurança, mas posso garantir que o ódio despejado por ele e seus apoiadores prejudicou profundamente minha vida e minha família.
Agora, Figueiredo e Eduardo sentam juntos em um podcast para falar de liberdade e democracia — ao mesmo tempo em que admitem, sem vergonha, que participaram de reuniões em Washington onde se discutiu impor sanções e tarifas comerciais ao Brasil.
No podcast, eles próprios confirmaram que não apenas sabiam da possibilidade de que Donald Trump taxasse produtos brasileiros, mas que deram opinião favorável. Tudo isso para, segundo eles, defender a liberdade de expressão no Brasil.
Eu sei que você que está lendo isso não acredita nessa balela. Mas nunca é demais lembrar que Figueiredo e Eduardo gostam, sim, de jornalistas. Desde que estejam torturados ou mortos, como fazia a Ditadura Militar que eles tanto admiram.
Vocês da Imprensa
Essa edição é uma boa oportunidade para recomendar um livro que, infelizmente, dialoga diretamente com o que contei até aqui. Vocês da Imprensa, de João Paulo Saconi, é uma obra urgente sobre o impacto da violência política no jornalismo brasileiro. Aos 29 anos, Saconi reuniu histórias suas e de dezenas de colegas perseguidos, ameaçados e calados por fazerem seu trabalho.
O ponto de partida foi uma reportagem que ele publicou em 2019, ainda no início da carreira — e que rendeu a ele ameaças de morte e a necessidade de mudar de endereço por segurança.
Sobre quem foi a reportagem? Sim, Eduardo Bolsonaro. E, seis anos depois do episódio, o filho do ex-presidente — esse defensor implacável da liberdade de expressão – segue perseguindo Saconi por ter feito seu trabalho. Inclusive, voltou a atacá-lo no famigerado podcast que tratei nesta edição.
O livro é um retrato cru de uma profissão sob ataque, com capítulos que expõem não só o crescimento dos episódios de violência a partir de 2013, mas principalmente como o bolsonarismo institucionalizou esse ódio.
A publicação tem o mérito de dar nome aos agressores, contexto histórico aos ataques e, acima de tudo, humanidade a quem os sofre.