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Henrique Silvestre: O maior “nariz-de-cera” que o mundo já viu (Ou “A incrível história do motorista que virou repórter, fotógrafo, bolsonarista e terrorista – alguns flashes”)

Por Henrique Silvestre, jornalista:

A virada dos anos 1990 para os 2000 foi o cenário de briga – boa, por sinal – entre os dois principais jornais impressos do Ceará. O mais antigo, hoje quase centenário, é mais de meio século mais velhinho do que concorrente. Tradição, anunciantes consolidados, bom número de assinantes. Diga-se que, consolidado como era (afinal, Fortaleza vira nascer e morrer dezenas de outros títulos desde o império) agora o jornalão – pelo menos para padrões locais, vá lá – via um concorrente crescer com a força e grana que podem tanto erguer coisas belas, quanto destruir castelos entre mangueiras

As coisas demoraram um tantinho a se aprumar. Afinal de contas, apurar boas histórias e contá-las de forma interessante num formal de folhas – sem as vinhetas eletrizantes do rádio, sem os vozeirões do rádio à antiga, ou mesmo ainda sem o sensacionalismo policialesco que já vicejava àquela altura – não era bocado fácil. O fundador do jornal caçula dessa história, por óbvio num recorte bem particular, num resumo bem enxuto, era obstinado e não gostava de perder. Tinha dois principais objetivos. O primeiro era fazer frente ao rival. Ponto. Depois, representar os interesses do grande grupo econômico que o mantinha (e da companheirada que frequenta a cobertura de um certo edifício situado Avenida Barão de Studart, por quê não?). Com algum tempo o projeto deu certo. A grana falou mais alto. Houve investimentos e, contam os mais antigos, que o próprio dono da empreitada só ia para casa na madrugada, com o primeiro exemplar debaixo do braço, ainda soltando aquela tinta que só quem já trabalhou no fechamento da edição sabe.

Mas o magnata morreu. As coisas foram mudando. Alguns dos craques que ele havia levado pra montar a redação – permitam-me não citar nenhum aqui para não cometer omissões, sempre injustas – foram saindo. A direção se acomodou. Afinal, pela estrutura de distribuição do jornal e outros fatores ligados a grana mesmo, a tiragem e a vendagem eram geralmente maiores do que a do concorrente. O problema estava no miolo. Com o tempo, alguns dos chamados ”velha-guarda” passaram a ter seu próprio jornal dentro do jornal. E isso não dá certo, por óbvio.

As coisas começaram a mudar a partir de uma renovação meio que incidental nos anos 1990. Jovens jornalistas, o tal sangue-novo, começaram a mostrar algum serviço, a propor as próprias pautas, e produzir bons textos, boas reportagens. Mas a cabeça da reação se mantinha. E com isso o freio-de-mão seguia meio puxado. A galera fazia nas brechas, nos descuidos de alguns chefes. E foi dando certo aqui e ali. Mas ainda estava muito, mas muito atrás do concorrente em termos de conteúdo.

Um belo dia, numa situação dessas na qual o sujeito que engole sapos gigantes morre engasgado com um mosquito, o editor-chefe é demitido. Era a hora e a vez do sangue novo. Foi uma revolução: novas contratações, novos cadernos recém-criados ganharam impulso, novas seções, colunas. E – esse detalhe é importante para essa história – a valorização da imagem, sobretudo da fotografia. Isso em parte se explica pelo fato de o novo editor ser egresso da TV pertencente mesmo grupo de comunicação. Pra ele tudo era imagem. Como já falado aqui, o jornal mais jovem, agora em franca retomada, ganhava do concorrente, dentre outros fatores, muito fortemente pelo esquema de distribuição: era o único a chegar a todos os 184 municípios do estado.

Anos 2000 e o digital começa a ganhar força. O jornal tinha então um caderno dedicado ao interior, que aliás faturava horrores de prefeituras (mas essa é outra história). Entra em campo nesse período a figura do colaborador. Do fotógrafo a colaborador. Sujeito testemunhava um acidente, mandava foto. Acidente com carretas e óbitos, então… O serviço normalmente não era pago, contentavam-se com o crédito de autoria “Fulano de Tal/Colaborador”.

Um desses rapazes se destacava dentre todos. Por trabalhar numa Van do transporte alternativo na região Norte do Estado, estava sempre na estrada. E não lhe faltavam flagrantes. As fotos de capa – geralmente por serem exclusivas – deram asas ao rapaz. Comprou equipamento profissional, aprendeu uns truques, recebeu uns toques dos fotógrafos do próprio jornal, e se achou pronto. Era, agora, repórter-fotográfico.

Foi então trabalhar na redação de um jornal local. Era o periódico cidade-pólo da região mais ao Noroeste do Ceará. Pertencia a um deputado tão rico quanto vaidoso. Ficou por uns anos. O deputado morreu. O nosso até aqui motorista-retratista entrou na Justiça do Trabalho e ganhou o prédio do jornal como indenização. Sabe-se lá de quê! Tornava-se agora empresário, dono do sistema de comunicação, que envolvia além do jornal local, rádio e internet. Era inovador, o rapaz. Alguns diriam astuto. Montou um braço da empresa para fazer cobertura de casamentos, batizados, festas de debutantes, formaturas, enterros, por que não?. Afinal de contas, o povo do lugar é conhecido por ter a vaidade algumas casas acima do normal. Prosperou.

Chegam, então, os distópicos anos iniciados em 2013. O agora motorista-retratista-influencer e empresário tomou o lado dos golpistas. Do fora Dilma. Àquela altura já era importante produtor/difusor de conteúdos contra a presidenta. Lula é preso. Não sem a contribuição midiática do onipresente e agora faz-quase-tudo-e-muito-mais da extrema-direita. Temer passa seu tempo com todas as turbulências possíveis. Por isso, o breve e dispensável. Até que chega a eleição de 2018, que conduziria o agora quase-presidiário ao Planalto. A aquela altura, o protagonismo do ex-motorista-batedor-de-retrato e agora influencer e empresário já era tamanha que ele acabou alçado ao gabinete de uma senadora, como assessor parlamentar.

Hoje o motorista-retratista-influencer-assessor parlamentar e empresário está preso, condenado por tentar explodir o Aeroporto de Brasília na véspera de Natal. E pode atualizar o Likedin com mais um título: terrorista.

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