Por Paulo Motoryn, jornalista, no site The Intercept Brasil:
O voto de Luiz Fux no Supremo Tribunal Federal, nesta semana, foi muito mais do que uma divergência jurídica. Ao se alongar por mais de dez horas, pedindo a absolvição de Jair Bolsonaro de todos os cinco crimes pelos quais foi denunciado, o ministro entregou o maior “apito de cachorro” da história do Brasil.
O termo, cunhado pela ciência política norte-americana, descreve mensagens aparentemente inofensivas ou técnicas, mas que funcionam como código para grupos radicais. Para o público em geral, Fux parecia apenas questionar provas. Para a extrema direita, foi o sinal de que a narrativa do “golpe inexistente” tem guarida até dentro do STF.
Redes bolsonaristas explodem com menções ao Nepal
Enquanto Fux falava, as redes bolsonaristas ferviam. No mesmo 10 de setembro, os deputados Nikolas Ferreira, do PL de Minas Gerais, e Gustavo Gayer, do PL de Goiás, publicaram vídeos e mensagens relacionando o Brasil às manifestações no Nepal, onde protestos violentos derrubaram o primeiro-ministro KP Sharma Oli após restrições a redes sociais e denúncias de corrupção.
Nikolas escreveu que “o povo do Nepal cansou”, celebrando “menos um regime comunista no mundo”. Gayer ecoou: “Quando a população se levanta, nada fica em pé”. A consultoria Palver, que monitora 100 mil grupos de WhatsApp, registrou uma explosão de menções ao país asiático: de 7 a cada 100 mil mensagens no dia 8, para 344 a cada 100 mil no dia 10 — exatamente enquanto Fux lia seu voto.
Série de “coincidências” em Brasília levanta alertas
A conjunção de sinais não parou no mundo digital. Na véspera, 9 de setembro, um homem ateou fogo em mais de dez banheiros químicos instalados ao lado do Museu da República, a poucos metros do STF, durante o julgamento. O caso já levou um suspeito à cadeia. Trata-se de um homem em situação de extrema vulnerabilidade. Segundo o delegado da Polícia Civil do Distrito Federal, o caso nada tem a ver com o julgamento.
Mas a dose de “coincidências” não parou por aí. No dia seguinte, 10 de setembro, de madrugada, outro homem avançou contra a rampa principal do Palácio do Planalto, ignorando ordens de recuo e só foi contido após ser atingido por balas de borracha do Exército.
A reincidência — ele já havia tentado entrar no Senado dias antes — acendeu alertas sobre novos ensaios golpistas. Mas, novamente, o homem detido estava em condição de vulnerabilidade e aparentava confusão mental. Portanto, segundo as autoridades, zero relação com a iminente condenação do ex-presidente.
Assassinato de trumpista alimenta tensão no Brasil
Aos fatos locais somou-se a tragédia internacional. Na noite do mesmo 10 de setembro, o ativista trumpista Charlie Kirk foi assassinado com um tiro no pescoço durante um evento universitário em Utah. Nikolas Ferreira, apressado, publicou em inglês: “Charlie Kirk destruiu os argumentos da esquerda e pouco depois foi baleado”. A intenção era clara: vincular a morte a uma suposta perseguição global contra a direita, elevando a temperatura emocional da sua base no Brasil.
É dentro dessa atmosfera que a maioria da Primeira Turma do Supremo concluiu que Bolsonaro foi o líder de uma organização criminosa que tentou abolir violentamente o Estado de Direito e dar um golpe.