Do site The Intercept, com texto do jornalista João Filho (foto ao lado):
Javier Milei realmente não tem medo do ridículo. Em meio a uma enorme crise política e econômica do seu país, o presidente argentino achou razoável fazer um mega lançamento do seu livro em um estádio de Buenos Aires, com direito a um show de rock protagonizado por ele mesmo.
Com roupas de couro e um estilo muito roquenroll, como diria Boça, Milei decidiu brincar de estrela do rock enquanto seu governo enfrentava uma série de escândalos de corrupção.
Candidato de Milei desiste após receber US$ 200 mil do narcotráfico
Menos de 24 horas antes, o seu candidato a deputado por Buenos Aires teve que desistir da candidatura depois de não conseguir explicar os 200 mil dólares que recebeu de um empresário ligado ao narcotráfico. Além do principal aliado político de Milei ser acusado de envolvimento com o narcotráfico internacional, uma sequência de outros escândalos ronda a Casa Rosada.
Primeiro foi o da criptomoeda, um golpe divulgado pelo próprio presidente argentino nas redes sociais. Depois, Karina Milei, irmã do presidente, foi acusada de integrar um esquema milionário de propinas. Nada disso constrangeu Milei, que promoveu uma festa de arromba como se nada estivesse acontecendo. O homem que prometeu passar a motosserra na corrupção agora se vê com a lama até o pescoço.
O delírio como método da extrema direita
É realmente impressionante a desconexão da extrema direita com a realidade em todos os cantos do mundo infectados por ela. Trump inventou um déficit na balança comercial com o Brasil para justificar um tarifaço. Não importa que isso seja uma mentira que pode ser desmascarada com uma simples pesquisa no Google. Ele mente e dane-se.
Jair Bolsonaro promoveu motociatas e aglomerações de todo tipo durante a pior pandemia da nossa geração. Dane-se. Eduardo Bolsonaro, como um Napoleão de hospício, anunciou um autoexílio e liderou um plano internacional para derrubar uma ditadura que não existe.
É o delírio como método. Seria tudo meio cômico se não fosse tão eficiente em cooptar as massas. É um neofascismo surrealista, que cria um mundo paralelo e tenta encaixar o mundo real dentro das suas narrativas fantasiosas na marra.
O fascismo clássico também continha esses elementos, mas na era digital e da pós-verdade eles foram impulsionados. O show de rock do presidente sobre os escombros da Casa Rosada é um dos exemplos mais emblemáticos do neofascismo surrealista dos nossos tempos.
Enquanto a Argentina colapsa, os bolsonaristas seguem aplaudindo Milei no mundo invertido. O general Pazuello, o ministro da Saúde que deixou faltar oxigênio nos hospitais em Manaus no auge da pandemia, ficou encantado em ver o presidente argentino suando no palco. “VALE CONFERIR”, gritou nas redes sociais em uma publicação de um vídeo com trecho do show do presidente argentino.
“Prestando homenagem a Charlie Kirk, Jair Bolsonaro, Miguel Uribe Turbay e Alberto Nisman, Milei emocionou milhares de fãs no lançamento do seu novo livro ‘A Construção do Milagre’. E para fechar com chave de ouro, subiu ao palco e cantou ‘Libre’, clássico de Nino Bravo, arrancando aplausos e emoção do público. Golaço.”
Tudo na Argentina está piorando. A popularidade do governo desabou e o país está à beira de um colapso social. Uma comitiva do presidente foi apedrejada em Buenos Aires. Mas para o bolsonarismo, Milei está marcando golaço atrás de golaço.
A cartilha ultraliberal: superávit fiscal às custas dos pobres
A extrema direita brasileira considera o projeto econômico argentino um modelo a ser seguido. O principal argumento é a de que a inflação foi controlada e o governo tem registrado superávit fiscal. De fato, a inflação caiu e a inflação galopante foi contida. Mas a que custo? A resposta é simples: às custas do povo mais pobre.
O governo reduziu drasticamente os gastos públicos — leia-se educação, saúde, aposentadoria, etc — e sufocou a população que mais depende dos serviços públicos. Bom, sabemos que esse custo é um mero detalhe para os ultraliberais que enxergam a vida a partir de uma planilha do Excel.
Mas não são apenas os bolsonaristas que tapam o sol com a peneira. Todos os devotos de Paulo Guedes, incluindo os que se julgam de uma direita moderada, verdadeiramente liberal, também olham com bons olhos o que acontece na Argentina.
MBL e Tarcísio querem modelo Milei para o Brasil
A turma do MBL, por exemplo, que acabou de criar um partido, trata Milei como um herói que está “salvando a Argentina”, como escreveram há menos de um ano.
Em fevereiro do ano passado, o grupelho ficou abobado com o fato de Milei ter viajado para o Vaticano em avião comercial: “Certas atitudes importam. Milei sabe que seu país está quebrado e precisa economizar: viaja de avião comercial. Lula e Janja sabem que o Brasil está quebrado com déficit de 230 bilhões, mas gastam mais 14 milhões na internet para o avião. E o povo que pague tudo”.
Agora estamos diante do seguinte cenário: o Brasil com déficit fiscal, mas com queda de desemprego e aumento da renda; enquanto a Argentina ostenta superávit fiscal, mas sofre com alta de desemprego e queda brutal da renda. A popularidade do governo brasileiro sobe, enquanto a do argentino despenca. A tara pelo superávit fiscal é apenas mais um sonho delirante.
Há pouco mais de quatro meses, em um evento promovido pelo Banco Safra, o presidenciável bolsonarista Tarcísio de Freitas falou o que os banqueiros queriam ouvir e exaltou os cortes drásticos que Milei fez nos gastos públicos: “Se você me perguntasse há um ano se seria possível o Milei cortar 5% do PIB de gasto público em um ano, eu diria que não é possível, mas foi”, afirmou.
Para não deixar dúvidas, Tarcísio concluiu que Milei está mostrando “o caminho que a gente tem de adotar”. A Argentina de hoje é o que Tarcísio quer ver no Brasil de amanhã.
Paulo Guedes errou todas as previsões
Vale lembrar também da previsão do então ministro da Economia Paulo Guedes para o Brasil caso o modelo econômico de Lula fosse implantado: “Para virar a Argentina, seis meses; para virar Venezuela, um ano e meio. Se fizer errado, vai rápido.”
Bom, não viramos nem Argentina nem Venezuela e absolutamente todos os índices econômicos melhoraram após a saída de Guedes. “Ah, mas e o superávit fiscal…?”, seguem perguntando os doidinhos.
O fato é que o modelo que os bolsonaristas e os devotos do ultraliberalismo querem para o Brasil foi cumprido à risca pelo governo argentino. A motosserra dos gastos funcionou do jeitinho que eles sonham.
Milhares de funcionários públicos foram demitidos e muitos cortes no orçamento foram feitos para atingir o tão sonhado superávit fiscal. Todas as ações de Milei na economia seguiram rigorosamente a cartilha que essa gente defende para o Brasil. O resultado está aí. Haja show de rock para tentar maquiar a realidade!