A crônica da Tuty: “Ainda estamos aqui”

 

Da jornalista e escritora Tuty Osório:

A memória é o que me faz presente. Não por nostalgia. É um mapa que me permite voltar. Posso escolher não lembrar. Contudo, é fundamental que possa escolher. Assim é a democracia. A garantia da escolha, a presença da noção e por isso, mesmo, do tumulto.

Democracia implica em contradição, diversidade, conflito. Quem quer a ilusão da ordem não vive de verdade. Aceita oprimir e ser oprimido em nome de uma falsa harmonia. Superfícies de açúcar, porões de sangue. Lembrar é viajar. Tempo e espaço são dimensões semelhantes, afinal. Surreal e real são melhores amigos. Como a cigarra e a formiga. Raízes da mesma fábula. Palavras do mesmo radical.

Dos 5 aos 9 morei numa pequena cidade, no interior de Moçambique. Havia um só Cinema. Centro de encontros, de novidades, das conexões. Sem TV, o rádio trazia as notícias e a fantasia.

Fui locutora da rádio aos 7 anos. Ancorando um Programa Infantil. Dizia poemas, apresentava histórias, lia cartas. Era tão natural estar ali que só me apercebi daquela magia décadas depois.

Quero voltar à rádio, à rádio possível de hoje. Quero lembrar. Também pelo Cinema quero lembrar. Da sala da casa que tínhamos nos anos 70 do XX, da escola, do mar, de meus pais tão aplicados em nos educar, em estar junto. Meu pai. Um conservador amoroso e responsável com sua família. Minha mãe, uma mulher inteligente optando por ser dona de casa para ter a certeza que cuidava da família. Nós, uma família comum, classe média alta, igual, igualzinha à família de Rubens Paiva.

Cada qual com sua missão. Só que era a mesma. Era o amor, a justiça, a solidariedade. A casa do filme é igual à minha daquele tempo. Aquela família, aqueles momentos, aquela mulher tão corajosa. Como minha mãe, mesmo, ambas, tendo protagonizado histórias diferentes. Meu pai não foi um militante de nada. A seu modo, o foi, de muito. Todavia, tenho certeza que se identificaria com aquele Rubens Paiva tão empático, diante de um mundo cruel. Comecemos do zero se for preciso. Porém, nada de conclamar a volta à
ditadura. Nenhuma ditadura vale. Tenhamos coragem, dignidade, ética. Sejamos fortes e encaremos a democracia.

Estamos aqui, para isso.

E, a propósito: vão ao cinema. AINDA ESTOU AQUI. Em todo o Brasil, nas melhores salas.

*** ***

Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.

São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).

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SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA
QUANDO FEVEREIRO CHEGOU
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