A Crônica da Tuty: “As intermitências da vida”

Por Tuty Osório, jornalista e escritora: 

Da morte são as intermitências no país ficcionado de Saramago (foto), no
romance onde ninguém mais morria. Essa anulação da fatalidade integrante da nossa natureza causou muitas dificuldades. Falta de espaço e de recursos para manter tanta gente. Morrer é necessário ao equilíbrio, parece. Algo que nos faz padecer é vital, ironicamente. A contradição está na essência de todas as coisas. As histórias em forma de ensaios de Saramago estão repletas dessa essencialidade que lhes dá sentido, embora as torne submissas do entranhamento.

Houve um tempo em que era obrigatório apreciar o autor português que mandou a pontuação convencional às favas e escrevia com multiplicidade e profusão. Mexeu com crenças divinas e pagãs. Fez premonições, destruiu mitos, subverteu a ordem que se acreditava estável. Fama de antipático, José era um romântico de fado canção. Contava ter aprendido tudo com seus avós analfabetos, à sombra da nogueira onde ouvia relatos reais e fantasiosos. Que quem ama nem sabe a diferença. Nem tem que saber. Se é que existe.

A moda de gostar de Saramago passou como todas as modas. Teve a de gostar de Pasolini, Glauber Rocha, Clarice Lispector (esta sobreviveu) – enfim, tudo tem moda, até doença. Neuropatia, esclerose múltipla, males variados sobre os quais há uma avalanche de diagnósticos e de repente somem como a cor amarelo marca texto do penúltimo verão. Chata como sou, não consigo seguir onda nenhuma. Chego antes, chego depois, nunca estou no jeito. Como adoro pantalonas e, de quando em quando, são definidas na liderança da tendência, acontece de às vezes estar adequada.

É assim, também, com os livros. Cada dia que passa compreendo e gosto mais de Saramago. Também de Gracia Marques, Juan Carlos Onetti, Alejandro Zambra, Elena Ferrante, Agustina Bessa Luís, Alba de Céspedes, lista enorme…Se estão na moda é que nem a roupa. Fico bem na foto, embora só seja clicada por acaso, presença furtiva, aqui e acolá. Se estiver é com alegria e fé.

Da literatura à economia, há as intermitências do trabalho. Trabalho precarizado em direitos, mulheres grávidas sem licença maternidade, doentes sem dias de reabilitação subsidiados, férias e folgas não remuneradas, e nenhuma garantia de que as oportunidades realmente virão. Tudo flui, do inicio ao final. Há falsas parcerias compensadas por acordos leais, honestos, equilibrados. Como diz um grande amigo, há os bandidos e os mocinhos. Aos sobressaltos a gente se reconhece e se une.

E pra não ficar essa lacuna de que não falei de política, quer mais política que o debate do comum, do coletivo que mobiliza o respeito? Se isso é ser ingênua, estou escolhendo ser a mais levitante das criaturas.

*** ***

Tuty Osório é jornalista,  especialista em pesquisa qualitativa e escritora.

São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).

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Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais.

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