Crônica da jornalista Tuty Osório, especialista em pesquisa qualitativa e escritora:
Em 2012, de férias no Rio de Janeiro com as minhas filhas crianças, conheci uma CASA POEMA. Havia poemas nas paredes, nas almofadas, nas coberturas dos sofás, estampados em quadros, painéis, gravuras. Nas louças, nos doces, nos paninhos de mão do lavabo.
A CASA POEMA durou pouco na minha vida, foram duas ou três visitas. Ficou para sempre na minha memória, como tantas outras casas, ladeiras acima e ladeiras abaixo. Por aí e por aqui. Pois, vadiar, é a glória verdadeira. Eis que neste sábado ensolarado de junho vim parar numa CASA ARTE. Telas, desenhos, esculturas, jardins. Geladeiras amarelas, armários azuis casados com verde, luminária gigante de barro natural vermelho terra. Até o crepúsculo é burilado pelo artista e chega laranja, inundando a varanda quintal.
Os amigos não têm só parte com o divino. É mais que vasta, a parceria. Desde a fonte que se aninha ao pé da escada, do guarda – corpo de vidro para que o colorido das paredes não tenha que pedir licença à transparência. Tetos com claraboias que recebem a luz natural enquanto a há – disponível no cerrado, da madrugada, até o quase cair da noite.
Bonecas feitas das espigas do milho, mil cores nas suas roupinhas de chita, espalham-se sem vergonha sobre a mesa de madeira. Há flores, que não são de plástico, por todos os lados. Também não morrem, essas flores, e mesmo se as houver de plástico serão sempre flores, neste templo despretensioso do bem viver.
Uma pequena shitzu, jovem, porém mansa e doce como a minha velha Mafalda, deleita-se com o sol frio do fim de tarde. A CASA ARTE recebe gente para conversas, trocas de conhecimento, contemplações. Os amigos vivem e trabalham no mesmo ritmo de prazer. Parecem eternos, sempre despojados, seus corações de estudante. Lá fora tem cotovias, rouxinóis, corujas, sabiás, e tem pessoas. Muitas pessoas. Tem as lágrimas da guerra, das meninas condenadas a conviver com a violência pela insanidade dos senhores das leis, dos assolados pelas enchentes que prendem o choro para reconstruir.
Os amigos deste pouso também se entristecem com o mundo que cala o canto e macula o silêncio.
Só que na CASA ARTE há um cheiro verde que enche a gente de esperança.
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Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.
São de sua lavra os livros QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).
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