Texto da jornalista Tuty Osório:
Pedi Confort por causa das sacolas, justifico ao entrar no Uber, repleta delas. – Estou indo ao encontro da minha filha mais nova, ela está morando sozinha e estou levando umas coisinhas para colaborar, – complemento. Imediatamente caio em mim que o motorista tem a ver zero com o assunto. Estou sendo
inconveniente, carente, inadequada, sei lá mais…
– Mãe é assim mesmo! – responde ele, com entusiasmo. – Eu tenho 41 anos e a minha é assim até hoje, – desenvolve cordial. Animo-me novamente e, novamente, perco o filtro, tal é a alegria que sinto dos mimos que carrego. E desembesto a explicar que há também presentinhos da minha mãe, que agrada todas as netas, foca a atenção no que precisam, no que agrada. Se mãe é mãe, imagina avó que é super mãe! – exclama ele.
Percurso afora, em menos de cinco minutos já sei que se chama Antônio porque nasceu laçado no cordão umbilical e era costume fazer promessa ao santo se a criança sobrevivesse. Conto que minha filha mais velha também estava laçada. Foi salva por uma cesariana planejada, que evitou trabalho de parto e riscos. Nunca me sugeriram que a chamasse Antônia, – comento.
Ele justifica pela diferença de idade. Minha filha é bem mais nova. Outra época. Isso. Até gosto do nome, – enfatizo. E vamos embora até o meu destino. Lá chegando, a filha mais nova está ao portão, para ajudar com os pacotes.
Desço animada, um regozijo que vem de muito longe, que brota do prazer de compartilhar. Os presentes são bobagens que fazem a diferença na praticidade e no conforto do dia a dia. Panela de pressão, almofadas para o sofá improvisado num colchão, reforço no enxoval de cama e mesa, uma caneca para chá de ervas sem ser de saquinho, umas coisitas mais. A minha mochila para passar a noite, o computador para trabalhar, completam a bagagem. Mãe é mãe. Avó é super mãe. Frases feitas, senso comum, comum e acolhedor, verdadeiro, pleno de ternura. Há um sol inclemente que me impede de correr para o mar, vizinho abençoado da filha. Escolho olhar a praia pelos janelões da sala, ao fim da tarde. Arrependo-me de não ter ido.
Um dia sem mar é como um dia sem queijo. Se morrermos naquele instante, terá sido num dia sem eles. Porque tão disponíveis, essencialidades desperdiçadas. Nacos de felicidade a transformar os dias difíceis que temos vivido, em delícias sensoriais.
*** ***
Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.
Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.
São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).
CLIQUE AQUI PARA ACESSAR (exclusivo para os leitores do portal InvestNE)
SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA
QUANDO FEVEREIRO CHEGOU
MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA