A Crônica da Tuty: “Encontros nas despedidas”

Por Tuty Osório, jornalista e escritora:

Virei meio que viciada no YouTube. Não vou muito de Instagram, TikTok e similares. No YouTube escolho literatura, filosofia, política, psicologia, entrevistas, debates, comentários longos de pessoas que considero interessantes. Jornalismo, podcasts. Quem quer tanta notícia, tanta informação? Eu, acho.

Invariavelmente adormeço cedo. Às 21 horas de cada dia já estou embarcando no sono. Invariavelmente acordo de madrugada e nem começo aquela viração na cama, lutando contra a óbvia insônia. O
Youtube é o meu companheiro noturno. Nada de tela. Tenho uns fones que parecem pequenas caixas de som. Encosto ao ouvido e sigo na escuta.

Normalmente as sugestões são visadas durante o dia e faço o download. Fica lá guardado para mais tarde. Outro dia fui visitada por uma reportagem a respeito de um hospital especializado em cuidados paliativos. Em Salvador. De inauguração recente, é mantido pelo SUS. Fiquei emocionada. Na partida de meu pai em 2021, vivi um dilema comigo mesma nesse tema.

Gostaria que ele tivesse tido essa escolha e nem se falava nisso. Foi duro e triste vê-lo apartado de nós, numa UTI que argumentava estar lutando pela
vida dele. Enquanto há vida há esperança. Repetia o médico responsável.

Nunca entendi aquela esperança em luz artificial, meu pai solitário dos seus,
embora acarinhado pelos doentes e pela enfermagem do frio salão.

Vendo a tal reportagem senti, sim, esperança. Embora tardia, em se
tratando de meu pai. O mesmo plano de saúde que lhe negou os cuidados paliativos, os ofereceu ao pai de uma amiga, um ano depois. Afinal eu não estava louca nem obsessiva.

Havia um sentido, mais tarde assumido oficialmente, no meu desejo expresso com um certo desespero, na época. Meu estilo dramático de fadista tem me atrapalhado na aceitação do que teve que ser. A notícia do Hospital da Bahia entregou-me uma paz que não contava mais sentir, em relação a esse sofrimento que escolhi.

Tentando compreender o que senti, sou indulgente comigo e concluo que era empatia com os sentimentos de perda de meu pai. Escondo-me atrás dele para justificar os meus. Quatro anos depois, mais madura, mais íntima do luto eterno que é a despedida de alguém que amamos e que nos preenche parte da nossa própria existência, celebro que haja um lugar onde a qualidade de vida é priorizada, mesmo que por alguns dias. Há pacientes que recebem alta e vão concluir a sua missão nesta terra em casa, com os meios para não sentir dor, no aconchego de suas almofadas, de sua gente querida, de seus objetos tocados ou olhados, que seja.

Se há uma coisa que aprendi, e tenho aprendido algumas, é que nada é tão dado que não possa ser imaginado de uma outra forma. Não só os sonhos. Os pesadelos, também.

*** ***

Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.

São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).

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Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais.

 

 

 

 

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