A crônica da Tuty: “Fogo de deboche”

Por Tuty Osório, jornalista:

Durante a Semana de Arte Moderna de 1922, protesto estético que teve como palco, literalmente, o Teatro Municipal de São Paulo, Oswald de Andrade, um dos agitadores do evento, achou que estava tudo muito parado, comportado demais.

Distribuiu batatas, ovos, entre jovens pândegos e haja chuva de arremessos sobre Mário de Andrade e outros. Vaias, pés batendo no assoalho. O público surpreso, não entendeu e não esqueceu. Já se media um sucesso pelo tamanho do barulho, real ou provocado.

Oswald era desses que perdia o amigo, mas não perdia a piada. Seguia essa máxima à risca e perdeu muita gente que nunca conseguiu resgatar. De latifundiário urbano a militante operário, foi perdendo a graça em meio a uma imensa solidão. Nada disso diminui o incrível escritor que nos brindou com Memórias de João Miramar e O Rei da Vela, rupturas maravilhosas da subversão literária.

Fico insegura quando percebo que o deboche mobiliza. Muito mais que o pensamento. Daí o espaço dos memes. A sideração em torno de vídeos domésticos que explodem nas redes sociais, quanto maior for a ostentação do ridículo, fantasiado de lúdico. Quem não acha engraçado é chato, mal humorado, não topa nada, não é pra descer pro PLAY.

Fui me tocando que não sei muito brincar disso. E tenho me isolado na minha caverna, sem tiradas nem piadas sobre uns temas que levo muito a sério. O que aparece como favorável a muitos, parece-me estar contra a gente. Não é má vontade, não é arrogância. É a absoluta falta de talento pra essa toada. Daí que questiono, com muita sinceridade, que razão é essa que me traz um aperto na garganta. Quase incapacitada dos sons atuais. Nunca fiz bolo Luís Filipe em casa, porém, confesso que gosto de cantar canções do Erasmo aos domingos e fico emocionada com os Ipês em flor, desde o alvorecer de setembro ao abraço da primavera.

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Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.

São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).

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