Texto da jornalista Tuty Osório:
Afonso é um paulistano, morador de João Pessoa, que encontro quase sempre por acaso. Trabalhamos juntos num Projeto de Ecoturismo em 2002 e de lá para cá nos batemos de vez em quando, Brasil afora.
Como eu, viaja bastante para labutar. Por mais cidades, só que de vez em quando os portos coincidem e aproveitamos para um papo. Café, almoço ou jantar, acho sempre pouco o tempo para o ouvir, sempre grata pelo modo atento como também me ouve. Em Guarulhos, ambos esperando conexão, ele há muitas horas, eu quase em cima do laço para o voo seguinte, travamos uma conversa tão bizarra quanto bisonha, interessante.
– Devíamos imitar o porco-espinho, começou ele.
– Como? – Soltei, incrédula e impaciente. Só me faltava um alucinado àquela hora da noite, cansada e frustrada com umas derrotas. Por mais amigo que seja, sobriedade abaixo do tom é bem vinda quando devidamente combinada.
– Não conhece a parábola do porco-espinho? Daquele filósofo que chamam de pessimista? – Insistiu.
Eu já tinha ouvido falar, mas não me lembrava do espírito da coisa. Cometi a insensatez de confessar e ele, animado, resolveu contar.
A história é boa e Afonso tem habilidade com as palavras, mesmo no último grau de combate ao tédio. Os porcos-espinhos juntaram-se para vencer o frio e machucaram-se uns aos outros pela óbvia e inevitável condição física. Espetaram-se na tentativa de
se protegerem.
– Depois de algum tempo de afastamentos e aproximações descobriram a distância ideal para se manterem juntos sem se ferirem, – continuava, tomado pela retórica liberada pelo estimulante, chegado como consolo, na solidão do percurso.
– De uma certa forma tentamos imitá-los, completou. – Só que acho que nunca encontraremos essa desejada distância ideal, concluiu, aparentemente.
Fiquei em silêncio, atenta ao painel para não perder o meu trecho e abalada por aquela imagem de espinhos e calor que acolhem.
Afonso ainda me instruiu sobre o quanto a psicanálise estudou a fábula e o sistema analítico do pensador alemão do século XIX. Um Arthur* que começou como leitor das gentes e acabou como escritor das almas.