A crônica da Tuty: “Não sejam palavras tristes”

Texto da jornalista Tuty Osório:

Almoço com as filhas. Não temos dia marcado, é quando dá. Pra elas e para mim. Às vezes é jantar. A única taurina sou eu, porém, a seu modo, gostam de comer. Moram em sua própria casa, embora a minha sempre tenha sido delas. São presentes, amigas, atentas a mim. É uma boa fase, essa da autonomia sem perda de ternura. Desejo que seja eterna, enquanto eu durar. Tenho a pretensão de durar bastante, descendência afora.

A conversa é diversa. Gostamos de política, existência, polêmica. A mais nova puxa um filme inglês sobre a violência contra as meninas somalis. Vira um trelê lê, puxa de lá e de cá – eu defendo a condenação indiscutível. Elas preocupam-se com a manipulação que o Ocidente rico faz com esses temas. O Ocidente comportando-se com superioridade civilizatória, agente salvador dos oprimidos. Todas temos razão, todas defendemos os nossos pontos de abordagem com paixão.

Fico grata por debatermos esse tema. Mesmo em volta de uma refeição farta, canecas de chope gelado, no intervalo da labuta, trabalhadoras que somos. A discussão é sincera e busca soluções, formas de solidariedade. Com aquelas meninas, distantes um oceano, e, com outras, tão próximas de nós, fisicamente. Eu sou inflamada, dramática nas minhas alocuções indignadas. As filhas são mais maduras, mais serenas, não menos combativas. Tão conscientes, ou mais. Sorriem do meu tom militante à moda década de 60, período em que nasci. Essa é a mamãe, leio nos seus olhares cúmplices, uma para a outra.

Aberto o próximo assunto tento ser mais tranquila e é escusado. Dez minutos e já estou gesticulando, revoltada com as desigualdades, as dominações, os abusos. Eu própria não me aturo e recuo, enjoada. Cansativo isso. Tudo contra a alienação, mas me parece que essa zanga já não faz efeito algum. Em especial para as minhas filhas, totalmente convencidas de que esse mundo anda mal.

Sem graça, tento um terreno novo. Nas amenidades sou fraca. Nas piadas quando partem de histórias minhas, até que vai…Consigo tornar o clima mais leve. Vou embora ainda com um aperto. Quero ser presença querida, o OBA e não o QUE SACO. Os dias têm sido difíceis, contudo, … Eu até que me esforço.

Na troca de mensagens pelo whatsapp, recebo a generosa compreensão. Sabem de mim, da minha vontade de alegria. Confiam que saberei retê-la sem perder a noção do essencial. Em outras palavras, convencem-me que não, não consigo ser ridícula.

Tomara!

*** ***

Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.

Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.

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