Morei em Paris por pouco mais de um ano, décadas atrás. Já se falava intensamente a respeito da solidão dos franceses e era evidente a quantidade de idosos fazendo compras e se deslocando sós, entrando e saindo dos prédios, no máximo com a companhia de um cão. CHIEN na língua local, que tem um som belo, doce. MON CHIEN é bem mais terno que MEU CÃO. No meu sentimento…
Vejo num jornal brasileiro uma matéria recheada de estatísticas e nomes bizarros como Unidade Doméstica Unipessoal –sim, significa que a pessoa mora sozinha. Do início ao final, não há um depoimento, muito menos uma história contada. São pessoas nomeadas como estatísticas. Mais de 500 mil moram sozinhas, atualmente, no Ceará. São muitas mais no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais.
Recordo-me que olhava Madame Cresson, – vizinha de porta na temporada francesa, – com piedade. Viúva, passava dias sem ter com quem falar. Respondia ao meu bom dia com muitas frases elaboradas, os seus olhinhos miúdos pedindo reações, comentários. Eu me virava como podia, no meu francês precário, para dispensar-lhe alguma atenção.
Sempre pensava que no Brasil era diferente. Aparentemente algo mudou, daquela época para agora, no nosso apreço pela família ampliada, pelos velhos acolhidos e incluídos sem nem se pensar em outra maneira de os ter no meio de nós. Há ainda muita gente que pensa e age assim. Porém, crescem as pessoas apartadas e até as que se apartam, por defesa ou escolha.
É bom ser boa companhia de si. Custei a aprender e agora, que acho que sei, estou gostando dessa companheira que descobri em mim. Os livros, a música, os filmes, preenchem as minhas horas. Contudo, gosto de ficar quieta e calada sabendo a minha mãe e as minhas filhas por perto. Também tenho chien, aliás chienne, a Mafalda. A paz assistida é a verdadeira paz. Abandono é outro departamento. Envolve egoísmo e camadas complexas de crueldade.
Os sons da quietude são belos quando podemos chamar a nossa turma para fazer um samba, se der vontade. Quando o isolamento não é uma imposição. É um beco que vira caminho, jamais sem saída.
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Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de
2023).
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