Por Tuty Osório, jornalista e escritora:
A turma do Bar em Casa que a Conchita inventou para promover os encontros não se vê faz tempo. Mudaram o nome para Toca do Shakespeare, dados que estão às paixões da literatura, e depois dessa formalidade não teve mais Função. Porquê do Shakespeare? questionou Ludmila, enfadada. Jonas devolveu que foi Bárbara que inventou, pela sonoridade. O que tem, mulher? Deixa de ser implicante, brigou ele. Ludi fez cara de magoada e replicou que devia ser a Toca de um escritor brasileiro.
Ora, ora…, tornou Jonas. Toca de quem? Do Veríssimo, do Itamar, da Ana Maria? Não tem graça de pronunciar. Tem razão, a Bárbara, na opinião do amigo. Shakespeare é delicioso de dizer. E depois, que importância tem o nome? Refletiu Jonas, lamentando que não se encontram mais. Estamos aqui, replicou Ludi. Embora que somente alguns de nós, é verdade. E depois com esse rolê de falsificação de bebidas é mesmo melhor não inventar.
Jonas argumentou que não corremos esse risco. Só compramos bebida em supermercados, lojas especializadas. Ludi atacou com os privilégios da classe média alta, que até nisso há desigualdade. Num canto da sala do velório escuto com a minha, já ancestral, preguiça de alimentar polêmica. Concordo com Jonas que é lamentável não nos encontrarmos mais. Que Shakespeare é gostoso de pronunciar. E concordo com Ludi que o recente escândalo do metanol nas bebidas é mais uma expressão da desigualdade. Só que calo e consinto com a cabeça, para ambos.
Ando com muitas saudades dos encontros. Das conversas longas, das reflexões sobre o sentido das coisas. Numa janela dessas ausências, fui tomar uma cerveja com um pequeno grupo, após a conferência literária de dois deles, e amei muito como não perdemos a mão para a boa prosa existencial. Íntimos que somos, é permitido ser enfadonho, teimoso, careta ou disruptivo demais. Discordei de quase todos com carinho e veemência. Voltei pra casa emocionada, mais ligada, ainda, a essa gente querida com quem consigo falar, ouvir, ser ouvida.
Houve revelações, confissões, exposições de motivos, justificativas de fugas e de enfrentamentos. Cada qual envelhecendo a seu modo. De certa maneira, à nossa maneira, eternamente estudantes. As certezas esbarram na imensa lealdade que sempre tivemos conosco e uns, com os outros. Viver é muito perigoso. O amor devorou o nosso endereço. A nossa identidade. Essas são do Rosa e do João Cabral, respectivamente.
Do bardo inspirador da nomeação da Casa Bar vai esta: pode ser agora. Pode ser agora e depois. Estar pronto, é tudo.
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Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa, e escritora.
São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).
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