Da jornalista e escritora Tuty Osório:
Início da faculdade de jornalismo no bairro do Benfica, em Fortaleza, aulas na Cultura Espanhola pela manhã, antes do início das cadeiras do básico, à tarde. Um poema me tocou. Falava de uma velha que orava, una viejecita. Diante do espelho, com um raio de sol que atravessava a janela, parecia, segundo os versos, que eran dos viejecitas que oraban. A imagem da mulher de cabelos brancos com as mãos postas, refletindo sua duplicação sob a luz da tarde, marcou-me para sempre e até hoje recordo pedaços, chegados e gravados, como epifania trazida por aquelas palavras escritas.
A literatura é também esse mundo que chega em forma de conto de fadas, bruxas, anciãs que rezam e sabem. Em si, é um real fantástico, o estranho que espreita, o próximo distante. Há lojas, chamadas livrarias, repletas de livros. Salas públicas e privadas, com estantes recheadas desse bizarro objeto e, pasmem, há lugares onde são, de fato, frequentadas. Existem pessoas que leem, até amam muito tudo isso. Eu mesma escrevi um desses, lancei publicamente, ando feito mambembe vendendo minha criação de folhas manchadas de tinta que entregam sentido.
São histórias contadas, algumas roubei, outras tomei emprestadas, a maioria ganhei de presente pela generosidade de muitos. Pois é, dizem que o que nos faz humanos é a capacidade de elaborar narrativas, transformar passado em futuro pelo registro em memórias organizadas para serem transmitidas ao longo dos dias, anos, séculos, pelo movimento das vontades.
Leais a seu tempo, dizia meu pai que livros são amigos que não nos abandonam, podendo reinventar-se a cada revelação. O compêndio de espanhol tinha capa cor de rosa, letras apertadas, páginas engorduradas. Se existe hoje na minha memória, é juvenil por estar em mim. Não importam os anos. A indiferença jamais chega para quem teima em não construir amizade com a alienação.
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Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.
São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).
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SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA
QUANDO FEVEREIRO CHEGOU
MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA
Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais.