por Tuty Osório, escritora e jornalista:
– Não sei. Acho que Nietzsche é necessário. – respondi, prontamente, irritada com a mudança brusca de assunto. A pergunta foi da minha filha mais nova. Não, ela não é estudante de filosofia, nem de sociologia, nem de Ciências Políticas, nem de Letras. Estuda Artes Visuais, é designer e artista visual. Também costura, faz tricô, cria tirinhas. Ilustra. Escreve. Lê. Tem Instagram. Navega. Xinga. Fica alegre e triste. Não é mais uma adolescente, mas foi nela, na irmã mais velha de 28, nas outras irmãs e no irmão, de mais idade, nas primas de 24, 35 e 35- as últimas, que foram as primeiras, são gêmeas. Então, foi nelas que me concentrei ao assistir Adolescência, a série que está causando perplexidade, identificação, culpa, conscientização, medo, libertação- quando cogitamos que estávamos por perto e o perigo, talvez, tenha sido neutralizado.
Muito delicado ter filhos. Eu quis muito e hoje, sem pieguice, considero a melhor coisa que fiz. Que faço. As meninas são adultas, têm uma vida muito própria, eu também, mas continuamos nos importando muito umas com as outras. Procuro seguir com dedicação e sem culpa. A culpa é tóxica, de verdade, e finge que a sua intenção foi boa, embora distante do gesto. Prefiro arriscar na ação. E, sim, me acho uma mãe legal. Convicta de que, sem oprimir, estou sempre lá. Ou ali. Aqui. Onde for. Mesmo assim, eu me achando muito, as minhas filhas têm inseguranças, sofrimentos, estão expostas à maldade – a que fazem e a que recebem. Bem e mal nos integram. Não é hinduísmo. É assim. Talvez a sentença mais difícil de assumir.
Que bom que temos livros, filmes. Ajudam a elaborar as nossas angústias. Como escreveu Guimarães Rosa, O diabo vige dentro da gente. Viver é muito perigoso. Também Shakespeare, Fernando Pessoa, Clarice Lispector, enfim, os existencialistas clássicos, embora a classificação da norma culta seja outra. Norma, mesmo, é minha amiga de divagações e leituras. É a única que sigo, com devoção. Não vamos sucumbir com a revolta, contudo, é imprescindível indignar-se. Unir mães, pais, trabalhadores, divergentes, comuns, do mundo inteiro. Não faltam líderes. Minha mãe, aos 85, é a Coragem mais corajosa que a do Brecht. Pode não entender nada, só que jamais deixa de vir comigo. Não se percam de mim. Ao contrário do que parece, não são palavras tristes, nem vãs, nem sem conexão. São amigas umas das outras e nenhuma está aqui por acaso. O acaso é escolha ditada pelo inconsciente. O poderoso chefão.
Hoje, todavia, é dia de declarações de afeto bom. Meus sobrinhos netos estão com um ano para me mostrar que é viável começar. Gratidão. Vale a pena. Mesmo que não corresponda em nada aos seus sonhos.
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Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.
São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).
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