Por Alex Araújo (foto acima), economista – o artigo abaixo foi originalmente publicado no Blog do Eliomar, do jornalista Eliomar de Lima:
No último mês, um raro alinhamento de preços elevou o custo da gasolina para R$ 6,49 em praticamente todos os postos de Fortaleza, levantando um debate sobre a dinâmica de mercado de combustíveis na capital. A coincidência veio depois de acirrada competição entre os postos, suscitando questionamentos sobre as forças que moldam essa precificação em um mercado teoricamente caracterizado pela livre concorrência.
Inicialmente é interessante destacar que, depois de muito debate sobre os riscos de cartelização desse mercado, existem fontes de dados confiáveis que permitem a comparação e a análise estatística dos preços dos combustíveis, facilitando a ação dos órgãos reguladores e de defesa do consumidor.
A Agência Nacional de Petróleo (ANP), por exemplo, faz uma pesquisa semanal em todo o país, comparando preços e destacando o desvio de valor entre os diferentes estabelecimentos (um excelente indicador de preços combinados).
Os dados da ANP referentes à semana de 20 a 26 de abril revelam que, em 43 postos pesquisados em Fortaleza, os preços da gasolina variaram entre R$ 6,47 e R$ 6,79, com uma média de R$ 6,54. A concentração de preços em torno de um valor elevado, como o reportado de R$ 6,49, sugere uma homogeneidade de precificação que merece investigação, ainda que o desvio padrão desse levantamento não permita inferir, a priori, que exista artificialidade na precificação.
A Petrobras, por sua vez, argumenta que as diferenças de preços entre os estados refletem variações nos impostos estaduais e nos custos de frete. No entanto, ao analisar as margens dos segmentos de distribuição e revenda, percebe-se que o Ceará apresenta uma margem de 21,6% sobre o preço médio ao consumidor, significativamente superior à média nacional de 17,6%.
Comparativamente, os outros estados do Nordeste pesquisados pela Petrobras exibem margens inferiores: Pernambuco (19,9%), Paraíba (17,2%) e Alagoas (17,9%). Essa discrepância na margem levanta a hipótese de que fatores além dos custos operacionais e tributários podem estar influenciando o preço final da gasolina em Fortaleza.
Em um mercado genuinamente competitivo, a teoria econômica postula que as empresas, buscando maximizar seus lucros, adotariam estratégias de preços que levassem a uma dispersão de valores. As diferenças de custos operacionais, volumes de venda, formas de pagamento aos distribuidores e estratégias de marketing deveriam resultar em uma variedade de preços praticados pelos postos de combustíveis.
O alinhamento de preços em patamares elevados, como observado em Fortaleza, sugere que as forças competitivas podem estar atenuadas. Para que múltiplos postos, independentemente de suas particularidades operacionais, cheguem a preços tão semelhantes, seria necessária uma coordenação de estratégias incomum em um ambiente de livre mercado. As diferenças de custos entre os postos (forma de pagamento ao distribuidor e litragem consumida) exigiriam um raro alinhamento de estratégias para que todos compartilhassem as mesmas condições de pagamento, o que torna mais improvável que tal homogeneidade de preços ocorra de forma puramente espontânea.
Estudos dedicados ao combate à fraude em mercados, incluindo o de combustíveis, frequentemente identificam padrões de comportamento de preços que podem indicar a existência de práticas colusivas, como a formação de cartel. Alguns desses padrões incluem:
• Estabilidade e rigidez de preços: a manutenção de preços em níveis elevados por um período prolongado, com pouca variação entre os concorrentes, pode ser um indicativo de falta de competição genuína.
• Movimentos de preços sincronizados: a ocorrência de aumentos ou diminuições de preços praticamente simultâneos entre os diversos postos, mesmo diante de variações nos custos que não justificariam tal sincronia, sugere coordenação.
• Ausência de guerras de preços: em um mercado competitivo, é esperado que os postos busquem atrair clientes através de preços mais baixos, desencadeando “guerras de preços” temporárias. A ausência dessas disputas pode indicar um acordo tácito ou explícito para manter os preços elevados.
• Margens de lucro elevadas e consistentes: margens de lucro persistentemente acima da média de outros mercados com características semelhantes podem sugerir que a falta de concorrência permite a manutenção de preços artificialmente altos.
A margem de 21,6% identificada no Ceará, superior à média nacional e à de outros estados nordestinos, aliada à concentração de preços em Fortaleza, configura um cenário que merece uma análise mais aprofundada pelas autoridades regulatórias.
Concluindo, a constatação de que a gasolina em Fortaleza apresenta o preço mais elevado do Nordeste, juntamente com a notável homogeneidade de preços entre os postos e a margem de lucro superior à média, levanta sérias dúvidas sobre o grau de competitividade do mercado local de combustíveis. Embora fatores como impostos estaduais e custos de frete contribuam para a formação dos preços, a magnitude do alinhamento observado e a discrepância nas margens sugerem que outros fatores podem estar em atuação.
À luz de estudos sobre combate à fraude e dos padrões de comportamento de preços associados à formação de cartel, os indícios observados em Fortaleza justificam uma investigação rigorosa por parte dos órgãos competentes. É crucial analisar se as condições de mercado estão permitindo práticas colusivas que prejudicam os consumidores e distorcem a livre concorrência. A transparência na formação dos preços e a fiscalização constante são ferramentas essenciais para garantir um mercado de combustíveis justo e eficiente para a população.