Texto do jornalista Valdélio Muniz, analista judiciário e mestre em Direito Privado. Membro do Grupo de Estudo em Direito do Trabalho (Grupe) da UFC:
Encontra-se em vigor desde 28 de março último a Lei nº 14.831, que criou o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental. De autoria da deputada pernambucana Maria Arraes e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a lei estabelece a concessão de honraria pelo governo federal a empresas que adotem critérios de promoção da saúde mental e do bem estar de seus empregados. Trata-se de um tema que, sobretudo a partir da pandemia de Covid-19, tem merecido olhar atento da sociedade, não apenas quando envolve atletas de alta performance que desistem de competições ou artistas que resolvem reduzir sua agenda de apresentações.
A saúde mental no ambiente corporativo (público e privado, frise-se!) tem se deteriorado por diversas razões que vão desde a pressão desenfreada e obsessiva por resultados (a ditadura da produtividade a qualquer preço) quanto pela construção de ambientes contaminados por assédios de diversas naturezas (moral, eleitoral, sexual etc).
Equipes de trabalho por vezes são induzidas a uma competitividade interna que satisfaz o ego de gestores “premiados” sem que seus “avaliadores” demonstrem mínimo de interesse, cuidado e preocupação em investigar a que custo desumano os festejados resultados foram obtidos. É óbvio que nem todos os fins justificam quaisquer meios.
O avanço tecnológico tem sido, nas últimas décadas, literalmente vendido com a promessa de que libertaria a humanidade de muitas tarefas repetitivas ou pesadas, delegáveis às máquinas e à inteligência artificial. De fato, algumas atividades de alto risco já são executadas por robôs ou, pelo menos, oferecem maior segurança aos humanos que as executam.
É evidente, porém, que a tal libertação prometida pelas novas tecnologias tem se materializado, na verdade, em escravização por vezes inconsciente ou conformada à medida em que conferiu ao trabalho uma portabilidade que rompeu, definitivamente, as fronteiras entre escritório e residência, vida pessoal e deveres profissionais.
De qualquer lugar e a qualquer hora do dia ou da noite, um simples celular conectado à internet permite que arquivos de trabalho sejam produzidos, acessados, conferidos, assinados, devolvidos, sem se importar se a hora do expediente já terminou, se o trabalhador usufrui descanso semanal remunerado, férias ou licença médica. Afinal, qual o “pretexto” para não fazê-lo e deixar de se destacar? O que antes era visto como falta de planejamento ou desorganização, hoje é aceito sob rótulo de urgência a justificar a exigência de disponibilidade constante ao empregador (hiperconexão laboral) e esta é requisito essencial ao profissional padrão e “proativo”.
Mas, a falsa ideia de que a vida humana se resume à dimensão do trabalho, relegando à
completa insignificância projetos pessoais, afetividade, convívio familiar e social, religiosidade,
cultura, esporte, lazer e descanso (desconexão laboral), gera uma sociedade adoecida.
Estimular e reconhecer empregadores que se deem conta da necessidade de remar contra
esta maré pode ser, pelo menos, o início do resgate necessário do trabalhador como ser humano.