Do site Consultor Jurídico, com texto de Mário Chaer:
O notável constitucionalista português Carlos Blanco de Morais, na foto acima (seu imenso currículo pode ser conferido na Internet), fez publicar um artigo instigante em 2019.
O catedrático em Direito Público da Universidade de Lisboa analisou — e desmascarou — o uso do discurso de que é preciso internacionalizar a Amazônia para salvar o planeta.
O paradigma do raciocínio é pertinente ao momento em que Donald Trump alega que é preciso punir o Brasil por atentar contra a liberdade de expressão e os direitos humanos.
Trata-se do velho truque de fazer o mal em nome do bem: se os brasileiros não sabem cuidar da Amazônia, a sua gestão deve ser transferida para quem cuide melhor dela.
Blanco de Morais chama a jogada de “neocolonialismo”. Ou seja: não é preciso bombardear um país em busca de armas de destruição em massa. Basta dizer que é preciso proteger o planeta e tem-se carta branca para “tomar conta” de um país.
A proposta foi empreitada por Emmanuel Macron, presidente de um país, cujos interesses vêm sendo contrariados com a poderosa capacidade brasileira de produzir alimentos, o que sobrepuja a indústria agropecuária francesa.
Blanco de Morais destroça a farsa de que o Brasil não protege a natureza e demonstra que o verdadeiro motivo dos países que governam o mundo é subordinar os mais fracos na condição de colônias.
O autor, conservador pela régua ideológica, escreveu o texto durante o mandato de Jair Bolsonaro. Mas o paradigma aplica-se a qualquer momento. A mensagem é a de que se pode subordinar concorrentes na condição de colônias, o que Blanco chamou de neocolonialismo.
Leia o artigo de Blanco de Morais:
A “internacionalização da Amazónia” é uma estratégia neocolonial?
Escolher apenas o Brasil como alvo, porque alguém elegeu Bolsonaro como inimigo público, envolve o uso de dois pesos e duas medidas e torna verosímil uma teoria da conspiração.
A Amazónia é o pulmão da humanidade?
Quando Macron postou que “A floresta Amazónica, os pulmões que produzem 20% do oxigénio do Planeta, está em chamas”, a mensagem tornou-se dogma de fé quando foi multiplicada pelo “jet set” internacional nas redes, com fotos de florestas em labaredas.
Chamas à parte, os dados da mensagem são falsos. Em primeiro lugar, o “pulmão do mundo” são os oceanos (Nadvinder Malhi) e não a floresta tropical. Em segundo, a Amazónia não produz 20% do oxigénio mundial, mas entre 9% (Malhi) e 6% (Foley).
Em terceiro, como atesta Dan Nepstad, a Amazónia absorve a maioria do oxigénio que produz através da fotossíntese. Finalmente, as imagens dos fogos divulgadas pelas celebridades foram manipuladas, como atestou o New York Times: a foto de Macron e Di Caprio tinha 20 anos; a de Madonna 30; e a de Cristiano Ronaldo era de 2013. Nas redes e nas televisões, frases bombásticas e fotos dramáticas, mesmo forjadas, valem por mil palavras.
Os fogos este ano ultrapassaram a média dos anos anteriores?
O arquétipo do Presidente do Brasil, apelidado de “BolsoNero”, incitando os madeireiros a queimar a Amazónia, assomou as redes e narcotizou turbas que nas ruas gritaram: “Queimem fascistas não florestas”! “Hate speech” à parte, é um facto que o ano 2019, até agosto, foi, desde 2013, um dos piores em área ardida, coincidindo com um maior abate de árvores, se bem que um relatório da Comissão Europeia indique que a área queimada no Brasil estará na média dos últimos 18 anos.
Os fogos da Amazónia atingiram uma escala muito superior à de outros Estados?
A atentar nas televisões seria o incêndio do século! Embora se fale em 1 milhão e 800 mil hectares ardidos (uma destruição grave da biodiversidade), na Bolívia arderam até ao final de agosto mais de 1 milhão de hectares e ninguém exigiu a cabeça do chavista Evo Morales. Na Rússia, em 2019, arderam na Sibéria dois milhões de hectares de tundra (área da Bélgica) e Macron não incomodou Putin.
Na Califórnia, em 2018, arderam 766 mil hectares e em Portugal, em 2017, 500 mil hectares! Portugal, conhecedor das dificuldades dos incêndios estivais, solidarizou-se, e bem, com Brasília, ao invés de endossar o discurso das sanções. É que escolher apenas o Brasil como alvo, porque alguém elegeu Bolsonaro como inimigo público, envolve o uso de dois pesos e duas medidas e torna verosímil uma teoria da conspiração.
Qual o sentido de internacionalizar a Amazónia?
A insistência de Macron em internacionalizar a Amazónia na ONU constitui uma tentativa da França e de um conjunto de interesses económicos para, sob pretexto de uma emergência ambiental, diminuírem a soberania brasileira sobre um território riquíssimo em recursos.
Aproveitando a fragilidade económica legada pelos governos do PT, a estratégia neocolonial de Macron é a de limitar o Brasil ao desenvolvimento de apenas 20% do seu território, na base de uma tutela externa sobre a exploração agrícola, mineira, e áreas indígenas.
Ora, de entre os protagonistas dessa tutela encontra-se uma França que, por coincidência:
i) quer um pretexto para evitar a cólera dos seus agricultores e não assinar o acordo UE/Mercosul;
ii) faz fronteira com a Amazónia brasileira na Guiana Francesa;
iii) dispõe, desde os anos 80, de mapas sobre reservas minerais e povos indígenas;
iv) criou canais diretos entre a sua diplomacia e o estado brasileiro do Amapá;
v) e envia o seu ministro dos Estrangeiros ao Brasil, para contactar ONG’s e governadores.
No contexto desta “filantropia ambiental”, é provável que, durante a próxima Assembleia Geral da ONU e do estranhíssimo Sínodo da Amazónia convocado pelo Papa Bergoglio, possam ser orquestrados apelos a um boicote a mercadorias.
Coincidência ou não, o Expresso publicou um artigo lastimável onde se incitava subliminarmente ao boicote, dando nota que, em Portugal, um punhado de açougueiros tontos boicotariam carne brasileira.
Quando a tensão está à flor da pele, quem assim age não estimulará retaliações contra produtos portugueses no Brasil? O facto é que Brasília pode vir a enfrentar campanhas poderosas de boicote que, mais do que com discursos inflamados, devem ser combatidas com a solidariedade dos países amigos, com uma diplomacia incisiva e com uma política de comunicação que divulgue dados fiáveis sobre a estratégia de combate a fogos e ações de preservação ambiental.
Existe o risco de uma intervenção militar internacional na Amazónia?
A questão parece ficcional mas foi tema do artigo de um professor de Harvard na Foreign Affairs, sob o título “Quem vai invadir o Brasil para salvar a Amazónia?”
Ficou dado o mote sobre a hipótese de invocação dos artigos 1.º , 39.º e 42.º da Carta da ONU, para autorizar o uso da força contra um Estado, em caso de rotura “da paz internacional”, equiparando-se essa rotura à “inércia” do Brasil em lidar com um “ecocídio”na Amazónia.
Não existe, hoje, esse risco, embora os militares brasileiros há muito o levem a sério. Semelhante ação militar seria vetada pelos EUA, Reino Unido e a China no Conselho de Segurança.
Mais inverosímil, ainda, seria uma aventura militar da França fundada na noção de “responsabilidade para proteger” por razões humanitárias que, contrariamente ao que diz o professor de Harvard, jamais constituiu um princípio de Direito Internacional geral que justifique o uso da força por um Estado contra outro.
Uma intervenção militar destinada a ocupar a Amazónia estaria votada ao insucesso. O Brasil possui um dos melhores exércitos especializados em combate na selva, num terreno que conhece. Ora, a luta na selva nunca foi o forte da França, que se arriscaria a um novo Dien Bien Phu no temível “inferno verde”, onde um dia desapareceu, sem deixar rasto, o experiente explorador Percy Fawcett.